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13 abril 2025

Confissões (Agostinho)

Há um pensamento, normalmente atribuído a Agostinho de Hipona na obra Confissões, que é tipicamente encontrado na seguinte forma: 
"As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando as confronta."

Um trecho interessante no Livro VI ('Agostinho aos trinta anos') de "Confissões" ilustra o pensamento de Agostinho a este respeito: 
2. Mônica e Ambrósio
"Um dia minha mãe [Mônica], como costumava fazer na África, levava bolo, pão e vinho para as sepulturas dos santos. E foi impedida pelo porteiro. Logo que soube ser proibição do bispo [Ambrósio], aceitou-a com tal docilidade e obediência, que eu mesmo me admirei de vê-la disposta a renunciar a um hábito, antes que discutir a proibição. Não tinha o espírito sufocado pela embriaguez, nem o amor do vinho a incitava ao ódio da verdade, como muitos homens e mulheres que, diante de exortações à sobriedade, experimentam a mesma náusea que sentem os bêbados diante de um copo de água. Quando levava a cesta com os alimentos rituais, para distribuir depois de tê-los provado, não bebia mais que um pequeno copo de vinho diluído em água, segundo seu paladar sóbrio, e o fazia principalmente para homenagear aos santos. E se havia muitas sepulturas de santos a honrar dessa maneira, ela levava sempre o mesmo copo, que depunha em cada túmulo, e com os presentes repartia pequenos goles desse vinho, não só muito aguado como também morno. E agia assim por devoção, e não por prazer pessoal. O bispo [Ambrósio], famoso pregador e pessoa piedosa, tinha proibido esses ritos, mesmo quando celebrados com sobriedade, não só para que não se oferecesse aos ébrios ocasião de se embebedarem, mas também pela semelhança com os 'parentais', ritos de superstição pagã. Ao tomar conhecimento da proibição, ela [Mônica] aceitou-a de boa vontade, e, ao invés do cesto cheio de frutos da terra, passou a levar à sepultura dos mártires um coração cheio dos mais puros sentimentos. Assim dava aos pobres aquilo que podia e celebrava nesses lugares a comunhão com o Corpo do Senhor, pois foi imitando-lhe a paixão que os mártires foram imolados e coroados. Mas parece-me, Senhor meu Deus (e conheces bem meus pensamentos secretos), que talvez minha mãe não houvesse aceitado tão facilmente o cerceamento de seus hábitos, se a proibição tivesse partido de outra pessoa que não fosse tão amada quanto Ambrósio. Ela [Mônica] o estimava sobretudo pela minha salvação, como ele [Ambrósio] a respeitava pela vida tão religiosa que ela levava, tão dedicada às boas obras e aos serviços da Igreja. Muitas vezes, ao encontrar-me, ele rompia em elogios a ela, e se congratulava comigo por ter semelhante mãe. Não sabia que filho era eu, cético a respeito de tudo e convicto de não poder encontrar o caminho da vida."

[P.S.: este trecho do texto, bem como qualquer outro, precisa ser compreendido no contexto da obra (Confissões), e da época em que foi escrito pelo autor (Agostinho)]