- 19 de setembro. Perto da noite, quando tentei andar um pouco, meus pensamentos foram estes: “Quão infinitamente doce é amar a Deus e ser tudo para Ele!’’ E então foi-me sugerido: ‘’Tu não és um anjo, vivo e ativo”. E a isso minha alma imediatamente retrucou: “Sinceramente desejo amar e glorificar a Deus, como qualquer anjo do céu”. E novamente me foi sugerido: “Mas tu és imundo, despreparado para o céu”. Diante disso, apareceram imediatamente as benditas vestes da justiça de Cristo, nas quais posso exultar e triunfar; e contemplei a infinita excelência de Deus, e minha alma prorrompeu em anelos de que Deus fosse glorificado. Pensei na dignidade que gozarei no céu, mas instantaneamente voltou o pensamento: ‘’Eu não vou para o céu para ser honrado, mas para prestar a Deus toda glória e louvor possíveis”. Oh, quanto anelo que Deus também seja glorificado na terra! Oh, fui feito para a eternidade, para que Deus seja glorificado! Não me importo com as dores do corpo. Embora cercado de dores extremas, nunca me senti mais tranquilo. Senti-me disposto a glorificar a Deus nesse estado de aflição física, enquanto Ele quisesse que eu assim continuasse. O sepulcro pareceu-me realmente atrativo, e eu ansiava por guardar ali os meus ossos cansados, contanto que assim Deus fosse glorificado! - Esse foi o âmago de todo o meu clamor. Oh, como eu sabia que no céu eu seria ativo como um anjo, e que seria despido de minhas vestes imundas! Assim, não tive qualquer objeção à morte! Mas quem me dera amar e louvar a Deus ainda mais, agradando-O em tudo para sempre! Era por isso que minha alma pranteava, e pelo que continua pranteando, enquanto escrevo. Quisera que Deus fosse glorificado na terra toda! “Senhor, que venha o teu reino”. Anelei que o espírito de pregação descesse e repousasse sobre os ministros do evangelho, para que se dirigissem às consciências dos homens com precisão e poder. Vi que Deus é o depositário do Espírito, e a minha alma anela que o mesmo seja “derramado do alto”. Não pude deixar de suplicar a Deus em favor de minha congregação, para que Ele a preservasse, não permitindo que seu grande nome perdesse a sua glória nessa obra; e minha alma continuava anelando que Deus fosse glorificado. (David Brainerd)
Comentário de Jonathan Edwards sobre o registro no diário de David Brainerd em 19 de setembro:
Era impossível ocultar a notável disposição mental em que Brainerd se encontrava naquele começo de noite. “Sua boca falava do que estava cheio o seu coração”, expressando, de maneira eloquente, muito daquilo que ficou registrado em seu diário. Entre muitas outras expressões extraordinárias que ele então proferiu, houve gemas como estas: “Meu céu consiste em agradar a Deus e glorificá-Lo, entregando tudo a Ele, devotando-me totalmente à sua glória. Esse é o céu pelo qual anelo; essa é a minha religião, essa é e sempre foi a minha felicidade, desde que me converti. E todos quantos tiverem essa forma de religião haverão de estar comigo no céu. Não irei para o céu a fim de progredir, mas a fim de honrar a Deus. Não importa onde eu seja colocado no céu, se ali terei um local elevado ou baixo; mas amar, agradar e glorificar a Deus é o meu tudo. Se eu tivesse mil almas, se elas valessem qualquer coisa, eu as dedicaria todas a Deus; mas, no final das contas, nada tenho a oferecer. É impossível que qualquer criatura racional seja feliz sem fazer tudo para Deus. O próprio Deus não poderia torná-la feliz de qualquer outra maneira. Anelo por chegar no céu, a fim de louvar e glorificar a Deus com os santos anjos; todo o meu desejo é glorificar a Deus. Meu coração volve-se para a minha sepultura, pois me parece um lugar desejável - mas glorificar a Deus, isso está acima de tudo. Serve-me de grande consolo pensar que pelo menos fiz alguma coisa para Deus no mundo. Fiz muito pouco, de fato, e lamento não ter feito mais para Ele. Coisa alguma há no mundo para a qual valha a pena vivermos, senão para fazermos o bem e completarmos a obra de Deus, fazendo aquilo que Cristo fez. Nada mais vejo no mundo, que redunde em satisfação, além de viver para Deus, agradar a Ele e cumprir toda a sua vontade. Minha maior alegria e consolo tem sido fazer algo para promover o interesse da religião cristã e das almas de pessoas; e agora, em minha enfermidade, contorcendo-me em dores e aflito dia após dia, o único conforto que sinto está em poder fazer algum pequeno serviço para Deus, seja por aquilo que eu diga, ou por algo que escreva, ou de alguma outra maneira”. Brainerd mesclou com essas e outras expressões, muitos conselhos comoventes aos que viviam ao seu redor, mormente aos meus filhos e aos servos. Ele dedicou-se a influenciar os meus filhos menores; chamava-os e falava com eles, um por um. Apresentava-lhes, com simplicidade, a natureza e a essência da verdadeira piedade, bem como a sua grande importância e necessidade, e advertia-os com zelo a não se contentarem com menos que uma autêntica transformação do coração, para terem uma vida consagrada a Deus. Aconselhava-os a não serem remissos nas atividades religiosas, e nem ficarem adiando o cumprimento desses deveres. Suas palavras eram tanto mais solenes porque eram as palavras de um homem moribundo. Disse ele: “Morrerei aqui, e aqui serei sepultado, e aqui vereis o meu sepulcro, e desejo que lembreis o que vos tenho dito. Estou de partida para a eternidade; seu caráter interminável a torna doce. Mas que direi sobre a eternidade dos ímpios? Não posso mencioná-la e nem pensar sobre ela; a ideia é por demais assustadora. Quando virdes o meu sepulcro, então lembrai o que vos disse quando ainda vivia; e então meditai no que o homem que jaz naquele sepulcro vos aconselhava, e como advertia para vos preparardes para a morte”. O corpo de Brainerd parecia maravilhosamente fortalecido, mediante o vigor interior e o fortalecimento de sua mente, de tal forma que, embora estivesse tão fraco que quase não pudesse terminar uma sentença, contudo havia momentos em que prolongava diante de nós as suas preleções por mais de uma hora, quase sem interrupção. E depois de terminar, dizia que esse deveria ser o seu último sermão. Mas essa notável disposição mental reaparecia no dia seguinte, acerca da qual ele fala em seu diário, segundo se vê abaixo. – J.E. (Jonathan Edwards)
- Dia do Senhor, 20 de setembro. Continuei em uma disposição mental agradável e confortável, e novamente fui tomado pelo desejo de que Deus fosse glorificado e pelo anelo de amá-Lo e de viver para Ele. Também desejei que as influências do Espírito Santo descessem sobre os pastores de maneira especial. Oh, quanto eu anseio estar junto de Deus, a fim de contemplar a sua glória, inclinando-me diante de sua presença! (David Brainerd)
Comentário de Jonathan Edwards sobre o registro no diário de David Brainerd em 20 de setembro:
Pelo que se nota no diário de Brainerd, acerca deste dia e da noite anterior, parece que a sua mente, nesse tempo, esteve muito impressionada com o senso da importância da obra do ministério, com a necessidade da graça de Deus e com a sua ajuda espiritual especial nessa obra; e isso também transparece no que ele expressava em sua conversação, particularmente com seu irmão Israel, o qual era, então, membro do Colégio Yale, em New Haven, preparando-se para a obra ministerial. Então, e vez por outra, moribundo como estava, recomendava a seu irmão uma vida abnegada, desligada do mundo e consagrada a Deus, bem como um zeloso esforço para obtenção de grande parcela da graça do Espírito de Deus, bem como das graciosas influências divinas em seu coração. Mostrava o quanto os pastores carecem dessas bênçãos, e o quanto se beneficiam delas, baseando-se em sua própria experiência. Entre muitos outros conselhos, ele disse: “Quando os ministros sentem essas influências graciosas especiais sobre seus corações, isso ajuda-os admiravelmente a atingirem as consciências dos ouvintes, como que podendo tocá-las com as mãos. Por outro lado, sem essas virtudes, não importa o quanto se utilizem de raciocínio e oratória, estarão usando cotós ao invés das mãos”. – J.E. (Jonathan Edwards)
- 2 de outubro. Hoje, por várias vezes, minha alma se sentiu docemente ligada a Deus, e anelei estar com Ele, a fim de poder contemplar a sua glória. Sentia-me docemente disposto a entregar tudo a Ele, incluindo os meus mais queridos amigos, o meu amado rebanho, o meu irmão ausente e todos os meus interesses, agora e para a eternidade. Quisera que o seu reino viesse a este mundo, para que todos pudessem amá-Lo e glorificá-Lo por aquilo que Ele é em Si mesmo, e para que o bendito Redentor pudesse “ver o penoso trabalho de sua alma, e ficasse satisfeito”. Oh, Senhor Jesus, vem prontamente! Amém. (David Brainerd)
Comentário de Jonathan Edwards sobre o registro no diário de David Brainerd em 2 de outubro:
Aqui termina o diário de Brainerd. Essas são as últimas palavras que ficaram registradas nele, ou de próprio punho ou ditas por ele e escritas por outrem [...] Na segunda metade da noite, a sua agonia física pareceu elevar-se a uma tensão maior do que já experimentara antes. No fim da madrugada, seus olhos ficaram fixos, e continuou deitado e imóvel, até às seis horas da manhã da sexta-feira, 9 de outubro de 1747, quando a sua alma, conforme podemos concluir, foi recebida por seu querido Senhor e Mestre, naquele estado de perfeição de santidade e aprazimento de Deus, pelo que ele havia por tantas vezes anelado tão ardentemente; e foi acolhido pela gloriosa assembleia do mundo superior, como alguém peculiarmente apto para juntar-se a ela, em sua bem-aventurada atividade e aprazimento. Todos demonstraram muito respeito por suas memórias, por ocasião de seus funerais, os quais tiveram lugar na segunda-feira seguinte, após um sermão pregado naquela solene ocasião. Estiveram presentes oito dos pastores das circunvizinhanças, e um grande número de pessoas. – J.E. (Jonathan Edwards)
[trechos do livro "A Vida de David Brainerd", de Jonathan Edwards]
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*Observação: uma introdução sobre a biografia de David Brainerd pode ser encontrada abaixo [palavras de John MacArthur no capítulo 11 do livro "Deus: face a face com sua majestade"]:
"David Brainerd anelava pela salvação dos americanos nativos espalhados ao longo das trilhas coloniais mais ao oeste. De 1742 a 1747, ele labutou entre as tribos em Nova Iorque, Nova Jersey e na Pensilvânia. No início, ele via pouca coisa que o encorajasse e pensou seriamente em abandonar seu trabalho entre eles [os americanos nativos] por completo. Mas a situação se inverteu a tempo, e dezenas de americanos nativos chegaram a conhecer a Cristo. No entanto, a saúde precária de Brainerd o obrigou a abandonar seus esforços missionários, e ele morreu aos 29 anos de idade. Ele passou seus últimos dias na casa de seu célebre amigo Jonathan Edwards. Antes de sua morte, Brainerd consentiu em deixar seu diário com Edwards para que fosse publicado. Esse volume [livro publicado à partir do diário] teve um impacto incalculável na vida de outros, porque revela a devoção, a seriedade, a sinceridade e o espírito de autonegação de Brainerd. Missionários como Henry Martyn, William Carey e Jim Elliot falaram da grande inspiração que receberam ao ler o diário de Brainerd."