"Segue-se necessariamente a este conhecimento a gratidão da alma - no próspero sucesso das coisas, na paciência na adversidade e também em uma segurança incrível quanto ao que há de vir. Portanto, tudo o que acontecer de modo próspero e de decisão da alma, isso tudo referiremos como tomado de Deus, quer a sua beneficência seja sentida pelo ministério dos homens, quer o tenha sido pelo auxílio de criaturas inanimadas. E, assim, reputará em sua alma: certamente, foi o Senhor que inclinou a mim estes ânimos, aglutinando-os a mim, para que fossem, junto comigo, instrumentos de sua benignidade. Na abundância de frutos, cogitará: é o Senhor que escuta o céu, para que o céu escute a terra, para que ela também escute os seus frutos; quanto ao mais, não duvidará que seja unicamente pela bênção do Senhor que tudo prospere, para que, admoestado por todas as causas, não se mantenha ingrato."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 7)
"Se não há remédio mais eficaz para a ira e a impaciência, certamente não pouco progride aquele que aprendeu a meditar quanto a isso na providência de Deus, dado que possa sempre revocar isso à mente: o Senhor o quis, por isso deve ser feito, não apenas porque não é possível relutar, mas porque Ele não quer senão o que é justo e adequado."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 8)
"Entre tais angústias, acaso não é preciso que seja miserabilíssimo o homem, se em vida traz penosamente, mais morto que vivo, um espírito atormentado e enfraquecido, como se tivesse consigo uma perpétua espada iminente na garganta?... Mas aqui foi proposto falar apenas da miséria que o homem sentiria se fosse conduzido sob o império da fortuna."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 10)
"Por fim, para que não me demore mais aqui, facilmente veremos, se prestarmos atenção, que a ignorância da providência é o extremo de todas as misérias, e a suma bem-aventurança está em seu conhecimento."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 11)
"... Deus muda quanto às suas obras, ainda que nem sua deliberação nem sua vontade sejam invertidas, nem Seu modo de ser seja comutável, mas que prossegue em uma continuidade perpétua o que previra, provara e decretara desde a eternidade, por mais que pareça aos olhos dos homens uma súbita variação."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 13)
"E não é de admirar que não os quisesse perdidos, mas emendados para que não perecessem. Por isto, Jonas profetizou a destruição de Nínive após quarenta dias: para que não ruísse [Jonas 3:10]. Por isso foi cortada a esperança de Ezequias de uma vida mais longa: para que obtivesse vida ainda mais longa [Isaías 38:5]. Quem não vê que o Senhor queria, com tais ameaças, levar ao arrependimento aqueles que atemorizara, para escapar do juízo de que seus pecados eram merecedores?"
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVII, parágrafo 14)
"Por isso se esclama: 'Grandes são as obras do Senhor; consideradas por todos os que nelas têm prazer' [Salmos 111:2], e de modo admirável é inexplicável o mesmo que se faz contra a sua vontade, não se faz sem seu consentimento. Porque não seria feito se Ele não o permitisse, nem Ele permite sem o querer, mas querendo. Nem Ele, bom, permitiria que fosse feito o mal, se o Onipotente também não pudesse fazer do mal um bem [Agostinho. Enchiridion ad Laurentium]."
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVIII, parágrafo 3)
"... Agostinho: 'Se o Pai tenha entregue o Filho, e Cristo seu corpo, e Judas seu Senhor, por que nessa entrega o coração de Deus é justo e o homem é réu, senão porque fizera um mesmo ato, mas a causa pela qual fizeram não é a mesma?' [Epístola a Vicêncio]"
(João Calvino, Livro 1, Capítulo XVIII, parágrafo 4)