O que é a oração
'Quem quiser orar deve saber e compreender que a oração é uma conversa sincera e íntima com Deus, a quem declaramos nossos pecados, de quem imploramos apoio e auxílio, e a quem almejamos encontrar em nossas adversidades. A Ele louvamos, e adoramos pelos benefícios que recebemos. Desse modo, a oração contém a exposição de nossas dores, o desejo de que Deus nos proteja, e o louvor de Seu magnífico nome, como os salmos de Davi claramente ensinam.'
5 (cinco) aspectos importantes da oração:
- Aspecto 1: '[...] que as preocupações mundanas e as cogitações carnais (como as que desviam da contemplação do nosso Deus sejam expulsas de nós, para que possamos invocar a Deus livre e ininterruptamente.'
- Aspecto 2: '[...] que, estando na presença de Deus, devemos ser achados reverentes à sua santa lei, arrependidos sinceramente de nosso passado de iniquidades e com a intenção de viver uma nova vida; caso contrário, todas as nossas orações serão vãs.'
- Aspecto 3: '[...] a correspondência entre o que pedimos a Deus e o que desejamos sinceramente, reconhecendo-nos indigentes e nulos, e que somente Deus pode atender à intercessão de nosso coração, quando isso for de sua boa vontade e de seu agrado. Porquanto nada é mais odioso perante Deus do que a hipocrisia e a dissimulação, ou seja, quando os homens pedem a Deus coisas desnecessárias ou sobre as quais acreditam poder obter por outros meios que não somente por Deus.'
- Aspecto 4: '[...] a esperança segura de que obteremos aquilo que pedirmos, visto que nada ofende mais a Deus do que pedirmos duvidosos de que Ele atenderá às nossas intercessões, pois, ao agirmos dessa forma, duvidamos de que Deus seja verdadeiro, poderoso e bom.'
- Aspecto 5: '[...] que a oração piedosa exige o perfeito conhecimento do Advogado, Intercessor e Mediador [O Senhor Jesus Cristo!]'
'Nosso adversário, Satanás, anda sempre a nos cercar (1Pe 5.8) e nunca se encontra mais inquieto do que nos momentos em que nos dirigimos e nos inclinamos a Deus em oração. Oh, quão secreta e sutilmente Satanás se arrasta em nosso meio e, ao chamar-nos para longe de Deus, faz-nos esquecer dos nossos deveres! Desse modo, quando, com toda a reverência, falamos com Deus, encontramos frequentemente nosso coração dialogando com as vaidades do mundo ou com a imaginação tola de nossa presunção.'
'Jesus Cristo nos ordenou que orássemos: que é, em primeiro lugar, para que nossos corações se inflamem de medo, honra e amor contínuos para com Deus, a quem corremos em busca de conforto e auxílio sempre que o perigo ou a necessidade o exigem, de modo que, ao aprendermos a tornar conhecidos nossos desejos em Sua presença, Ele possa nos ensinar o que deve ou não ser desejado. Em segundo lugar, para sermos capazes de reconhecer que nossas petições são concedidas somente por Deus (somente a Ele devemos prestar louvor e glória), e que, tendo sempre sua infinita bondade enraizada em nossas mentes, devemos constantemente perseverar em oração fervorosa para receber o que desejamos.'
'E não pensemos que devemos ser ouvidos por qualquer coisa que provenha de nós mesmos, pois isso é vangloriar-nos antecipadamente ou depender de qualquer coisa da justiça própria. A esses, Deus repele de sua misericordiosa presença, considerando-os assim como ao fariseu arrogante (Lc 18.9-14). Isso significa, portanto, que encontramos os homens mais santos, abatidos e humilhados na oração. Davi diz: “Ó Deus e Salvador nosso, pela glória do teu nome; livra-nos e perdoa-nos os pecados, por amor do teu nome” (Sl 79.9); “Não recordes contra nós as iniquidades de nossos pais; apressem-se ao nosso encontro as tuas misericórdias” (Sl 79.8). Jeremias diz: “Posto que as nossas maldades testificam contra nós, ó Senhor, age por amor do teu nome” (Jr 14.7). E Isaías: “Eis que te iraste, porque pecamos; por muito tempo temos pecado e havemos de ser salvos? Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia [...] Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos. Não te enfureças tanto, ó Senhor, nem perpetuamente te lembres da nossa iniquidade” (Is 64.5,6,8,9). E Daniel, muito elogiado por Deus, em sua oração faz a mais humilde confissão com as seguintes palavras: “Temos pecado e cometido iniquidades, procedemos perversamente e fomos rebeldes, apartando-nos dos teus mandamentos e dos teus juízos [...] Porque não lançamos as nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome” (Dn 9.5,18,19).'
'A angústia e o medo são verdadeiros estímulos à oração, pois, quando o homem se vê cercado por calamidades veementes e atormentado por uma solicitude contínua (não tendo, com a ajuda de homem algum, esperança de libertação, e encontrando-se com o coração severamente oprimido e punido, temendo punição futura ainda maior), e clama a Deus por conforto e socorro, do abismo profundo da tribulação, essa oração sobe à presença de Deus e não retorna em vão.'
'"A sua malícia lhe recai sobre a cabeça, e sobre a própria mioleira desce a sua violência. Eu, porém, renderei graças ao SENHOR, segundo a sua justiça, e cantarei louvores ao nome do SENHOR Altíssimo" (Sl 7.16,17). Tais palavras não estão escritas apenas para Davi, mas para todos os que sofrem tribulações até os confins da terra. Pois eu [John Knox], o escritor deste documento (que isso seja dito para o louvor e a adoração de Deus somente), em angústia de espírito e veemente tribulação e aflição, clamei ao Senhor quando não apenas os ímpios, mas também meus fiéis irmãos, sim, e meu próprio eu (ou seja, todo o entendimento natural) julgaram minha causa irremediável. E em minha maior calamidade, e quando minhas dores se mostravam mais cruéis, Sua eterna sabedoria fez com que minhas mãos escrevessem (muito contrariamente ao julgamento da razão carnal) que Sua misericórdia se mostrou verdadeira. Bendito seja Seu santo Nome! Portanto, atrevo-me a ser ousado na verdade da Palavra de Deus e a testificar que, não obstante a cólera da preocupação, a longa permanência dela, o desespero de todos os homens, o medo, o perigo, a dor e a angústia de nosso coração, se clamarmos constantemente a Deus, Ele proverá além da expectativa de todos os homens.'
'Que nenhum homem se considere indigno de clamar e orar a Deus por haver dirigido ofensa grave a sua Majestade em tempos passados; apenas traga a Deus um coração contrito e arrependido, dizendo, como Davi: “Compadece-te de mim, Senhor; sara a minha alma, porque pequei contra ti” (Sl 41.4). Para atenuar ou amenizar as dores de nossa consciência ferida, nosso Médico mais prudente forneceu dois emplastros para nos encorajar a orar (não obstante o conhecimento das iniquidades cometidas): um preceito e uma promessa. O preceito ou mandamento de orar é universal, frequentemente fixado e repetido nas Escrituras de Deus. “Pedi, e dar-se-vos-á” (Mt 7.7); “Invoca-me no dia da angústia” (Sl 50.15); “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação” (Mt 26.41); “Orai sem cessar” (1Ts 5.17); “Use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis” (1Tm 2.1,2). Quem desdenha ou despreza tais mandamentos peca como aquele que rouba. Pois o mandamento “não furtarás” (Êx 20.15) contém um preceito negativo, enquanto “orarás” é um mandamento positivo. E Deus exige igual obediência de todos os homens a todos os seus mandamentos. Contudo, direi com ainda mais ousadia: aquele que, quando a necessidade o oprime, não deseja o conforto e o auxílio de Deus, tal homem provoca a ira divina não menos do que aqueles que fazem falsos deuses ou negam abertamente a Deus.'
'“Porque somente ele”, diz Ambrósio, “é nossa boca, por quem falamos a Deus. Ele é nossos olhos, por quem vemos Deus, e também nossa mão direita, por quem oferecemos qualquer coisa ao Pai”.'
'“Pois, embora os cristãos se recomendem uns aos outros, diante de Deus, em suas orações”, diz Agostinho [de Hipona], “não intercedem nem ousam usurpar o cargo de Mediador; não, nem Paulo, embora sob o Cabeça, ele fosse um membro principal, porque se recomenda às orações** de homens fiéis”.' [**ver alguns exemplos de pedidos de oração do apóstolo Paulo: Rm 15.30; Ef 6.18-20]
Por que motivos devemos orar
'Se realmente reconhecermos e confessarmos o que até agora declaramos, peçamos-Lhe corajosamente tudo o que for necessário para nós, como sustento do corpo, saúde, livramento da miséria, libertação dos problemas, tranquilidade e paz à nossa comunidade, sucesso e prosperidade em nossas vocações, trabalhos e obrigações, sejam quais forem - coisas que Deus quer que peçamos, as quais devemos pedir a Ele para nos certificarmos de que tudo está em Seu regimento e em Sua disposição. Além disso, ao pedirmos e recebermos esses bens materiais para o corpo, sentimos o gosto de Sua doçura e somos inflamados por Seu amor, para que assim nossa fé acerca da reconciliação e da remissão de nossos pecados possa ser exercida e aumentada.'
É melhor obedecer a Deus que aos homens
'[...] Entretanto, oferecem a Deus a mais humilde obediência para serem entregues à Sua boa vontade e ao Seu bom desejo. Tal deve ser o nosso procedimento diante de todas as aflições, pois não sabemos o que pedir ou desejar como deveríamos, uma vez que a carne, frágil, oprimida pelo medo e pela dor, deseja libertação, sempre detestando prestar obediência e tentando evitá-lo. Ó irmãos cristãos, escrevo por experiência [John Knox]. Mas o Espírito de Deus chama a mente de volta a obedecer e, embora ela deseje e aguarde a libertação, não se entristecerá contra a boa vontade de Deus, mas pedirá incessantemente que resista com paciência. Quão difícil é essa batalha, isso ninguém sabe, exceto aquele que em si mesmo sofreu julgamento.'
A súplica do espírito
'[...] Assim, mesmo quando não vemos nenhuma ajuda aparente para nós mesmos ou para os outros, não deixemos de clamar, pensando que nossas orações são vãs. Pois, sempre que algo acometer nosso corpo, Deus dará conforto indescritível ao espírito, e reverter-se-á tudo para o nosso bem, para além de nossas expectativas.'
Os impedimentos advêm da fraqueza da carne
'O motivo de eu [John Knox] ser tão delongado e prolixo nesse assunto está no fato de saber quão difícil é a batalha entre o espírito e a carne sob a cruz pesada da aflição. Nela, nenhuma defesa mundana aparece; somente a morte se faz presente. Conheço as queixas contundentes e murmurantes da carne; conheço a ira e a indignação que ela concebe contra Deus, pondo em dúvida todas as Suas promessas e estando pronta a cada hora para se desvencilhar totalmente de Deus. Contra a cruz pesada da aflição, repousa apenas a fé, motivando-nos a clamar fervorosamente e a orar pela ajuda do Espírito de Deus. Por isso, se perseverarmos, Ele transformará nossas calamidades mais desesperadas em alegria e conduzi-las-á a um fim próspero: "Somente a ti, ó Senhor, seja o louvor, pois com experiência escrevo e falo acerca destas coisas".'
'Escrevo isso lamentando a grande frieza dos homens, que, sob tão longos flagelos de Deus, não se sentem movidos a orar por arrependimento, mas dormem descuidadamente em uma vida perversa; como se as guerras contínuas, a fome urgente, as pragas e as pestes cotidianas, outras doenças contagiosas e incomuns, além de doenças estranhas, não fossem os sinais presentes da ira de Deus provocada por nossas iniquidades.'
*** John Knox fez "oração de confissão e súplica" por sua nação:
'Mas, ó Senhor, Infinito em misericórdia, se castigares, não faças consumação, mas corta os ramos orgulhosos e luxuriantes que não dão fruto, e preserva a comunidade que dá socorro e porto aos teus desprezados mensageiros, que há muito tempo sofrem com o exílio no deserto. E que venha em breve o Teu Reino, para que o pecar acabe, a morte seja devorada e Teus inimigos sejam confundidos; para que nós, o teu povo, pela Tua Majestade Salvadora, possamos obter alegria e felicidade eternas, por intermédio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a quem sejam toda honra e todo louvor, para sempre. Amém.'
[trechos de "Tratado sobre oração: Como, quando, onde e por quem devemos orar", de John Knox]