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04 junho 2014

Institutas 24

“... Agostinho diz a este propósito [indulgências]: ‘Mesmo que, irmãos, morramos por nossos irmãos, ainda assim o sangue de nenhum mártir é derramado para a remissão dos pecados, o que Cristo fez por nós; e não o fez para que o imitássemos, mas no-lo concedeu para que agradecêssemos’ [Aug., In Ioh. Tract. 84, 2 MSL 35, 1847]. E, em outro lugar: ‘Assim como só o Filho de Deus se fez homem para consigo fazer-nos filhos de Deus, só ele, não merecedor de seus males, sofreu a pena em nosso lugar, a fim de que nós, não merecedores de nossos bens, conquistássemos uma graça indevida’ [Aug., Contra duas ep. Pelag. Ad Bonif. IV 4, 6 MSL 44, 613; CSEL 60, 526, 19ss].”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo V, parágrafo 3)

“... E, ainda que a Lei de Deus contenha em si aquela novidade pela qual se restaura em nós a imagem de Deus, no entanto, como nossa lerdeza tem necessidade tanto de muitos estímulos quanto de escoras, será útil extrair de passagens diversas da Escritura uma ordem com que organizar nossa vida, para que aqueles que desejam o arrependimento não se percam em sua intenção... Talvez haja tempo, em outra ocasião, para tais discussões; ou talvez deixe essa parte para outros, por não ser eu o mai sindicado. Por inclinação natural, agrada-me a brevidade. E talvez não conseguisse, se quisesse, falar de modo mais copioso. Mesmo que um método de ensino mais prolixo fosse muito mais plausível, dificilmente eu me permitiria experimentá-lo.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VI, parágrafo 1)

“Este é o lugar para dirigir-me aos que não têm nada de Cristo além de um título e um símbolo, e, no entanto, querem ser chamados cristãos. Com que cara, afinal, vangloriam-se de seu santo nome? Pois nada têm em comum com Cristo aqueles que n ao tenham recebido da palavra do Evangelho o correto conhecimento... Falsamente, pois, e também com injúria para com Cristo, afirmam que dele possuem o conhecimento, por mais que matraqueiem com eloquência e facilidade acerca do Evangelho. Pois este não é doutrina de língua, mas de vida, e não se aprende unicamente com o intelecto e a memória, como as outras disciplinas, mas, quando recebida, possui afinal toda a alma e encontra sede e receptáculo no mais profundo do coração... Concedemos prioridade à doutrina em que se apoia nossa religião, visto que dela advém nossa salvação. Entretanto, é necessário que a doutrina penetre em nosso peito e chegue a nossos costumes, e de tal modo nos transforme que não nos seja infrutífera... Evangelho cuja eficácia deveria penetrar nos afetos mais íntimos do coração, cem vezes mais do que as frias advertências dos filósofos, e assentar-se na alma e afetar o homem em sua totalidade.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VI, parágrafo 4)

“... Devemos ter diante de nossos olhos esse objetivo, ao qual dirigir todo o nosso empenho. Estabeleçamos uma meta, pela qual trabalhemos e nos esforcemos. Pois não é permitido repartir com Deus, para que acolhas uma parte das coisas que te foram prescritas por sua Palavra e desprezes outra, segundo teu arbítrio. Porquanto Ele sempre nos recomenda, em primeiro lugar, a integridade como parte principal de seu culto, querendo dizer com essas palavras uma sincera simplicidade de alma, desprovida de engano e de ficção, coisas a que se opõe nosso coração duplo. Como se dissesse que há um princípio espiritual de viver retamente quando o afeto interior do coração consente em servir a Deus sem ficção, em santidade e em justiça. Mas, uma vez que no cárcere terreno de nosso corpo ninguém dispõe de forças para apressar esse percurso com a devida rapidez, ao passo que uma tão grande debilidade oprime a maioria, que, vacilando e claudicando, arrastando-se dificultosamente, caminhemos cada um segundo suas pequenas possibilidades e prossigamos o caminho que começamos. Ninguém avançará tão infrutiferamente que não percorra pelo menos uma parte do caminho a cada dia. Não desistamos, pois, de fazê-lo, a fim de algo sempre aproveitar no caminho do Senhor, e não desesperemos com a pouca importância do resultado. Ainda que o resultado não corresponda a nosso desejo, o trabalho não está perdido quando o dia de hoje supera o de ontem. Miremos em nosso objetivo com sincera simplicidade e aspiremos a essa meta, sem nos adular a nós mesmos com lisonjas nem condescender com nossos vícios, mas nos esforçando sempre na tentativa de nos tornarmos melhores, até que alcancemos a bondade que realmente buscamos e perseguimos por toda a vida. Atingi-la-emos quando, despojados da fraqueza de nossa carne, formos plenamente admitidos na companhia de Deus.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo VI, parágrafo 5)