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03 novembro 2014

Institutas 27

“... Convençamo-nos de que Ele é o nosso juiz, não como nosso intelecto o imagina segundo sua conveniência, mas como no-lo descreve a Escritura: com tal fulgor que as estrelas se obscurecem; com tal poder que os montes se derretem; com tal ira que a terra é sacudida; com tal sabedoria que os prudentes são apanhados em sua astúcia; com tal pureza que faz tudo parecer imundo; com tal justiça que nem mesmo os anjos a podem sofrer; que não torna o culpado inocente; e cuja vingança, uma vez despertada, penetra até no mais profundo do inferno. Sentar-se-á, digo, para examinar os feitos dos homens; quem comparecerá diante de seu trono com segurança? ‘Quem morará com o fogo consumidor?’, como diz o profeta. Quem de nós habitará com as chamas eternas? ‘Aquele que caminha na justiça e fala a verdade’ (Is 33:14) etc. Este, seja quem for, apresentar-se-á. Mas essa resposta faz que ninguém se apresente. Porque, por outro lado soa uma vez: ‘Se observares, Senhor, os pecados, quem poderá, ó Senhor, subsistir?’ (Sl 130:3). Certamente pereceríamos todos de imediato...”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XII, parágrafo 1)

“... Assim, Agostinho diz: ‘Uma é a esperança de todos os fiéis que gemem sob o peso desta carne corruptível e da instabilidade desta vida: que tenhamos um Mediador justo, Jesus Cristo; e que só ele é a satisfação por nossos pecados’ [Aug.; Contra duas epist. Pelag. Ad Bonif. III 5, 15 MSL 44, 599; CSEL 60, 504, 12ss]...”
... E Bernardo [de Claraval]: ‘Onde há, deveras, repouso e segurança certos e firmes para os enfermos, senão nas chagas do Salvador? Eu habito ali, tanto mais seguro quanto mais poderoso ele é para salvar-me. O mundo grita, o corpo me oprime, o Diabo se insinua. Eu não caio, porque estou apoiado sobre uma pedra firme. Cometi um grave pecado. Minha consciência se conturba, mas não será perturbada, porque me lembrarei das chagas do Senhor’ [Bernardus, In cant. Serm. 61, 3 MSL 183, 1072 AB]... E em outro lugar: ‘Este é todo o mérito do homem: pôr toda a sua esperança naquele que salva a todo homem’ [Bernardus, In psalmum ‘Qui habitat’ sermo 15, 5 MSL 183, 246 B]. E, em outro lugar, retendo para si a paz, deixa a glória para Deus: ‘Para Ti seja toda a glória; para mim estará bem se tiver a paz. Renuncio totalmente à glória; para que não ocorra de, usurpando o que não é meu, perder também o que se me oferece’ [Bernardus, In cant. Sermo 13, 4 MSL 183, 836 B]. ”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XII, parágrafo 3)

“... As consciências exercitadas no temor de Deus sentem que esse é o único refúgio de salvação em que podem respirar com segurança, quando têm de haver-se com o juízo de Deus. Pois se as estrelas, que de noite parecem iluminadíssimas, perdem seu esplendor ao sair o sol, que pensamos haverá de ser da inocência mais rara do homem quando comparada com a pureza de Deus? Pois aquele exame será mais que rigoroso e penetrará até os mais secretos pensamentos do coração; e, como diz Paulo, ‘revelará o que estiver oculto nas trevas e manifestará as intenções dos corações’ (1 Co 4:5).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XII, parágrafo 4)

“... a humildade é uma submissão não fingida, que procede de uma alma consternada pelo real sentimento de sua miséria e pobreza. Pois assim é descrita sempre na palavra de Deus. Em Sofonias, quando o Senhor fala assim: ‘Exterminarei de meio de ti aqueles que se entretêm em sua soberba e deixarei em teu meio um povo aflito e pobre, e eles esperarão no Senhor’ (Sf 3:11-12), acaso não mostra claramente quem são os humildes?”
“... Todas as vezes que ouvires a palavra ‘contrição’, entende uma chaga do coração que não permite ao homem prostrado na terra levantar-se. É preciso que teu coração seja ferido com essa contrição se quiseres ser exaltado com os humildes, conforme a sentença de Deus. Se não for assim, será humilhado pela mão poderosa de Deus, para tua vergonha e desonra.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XII, parágrafo 6)

“... Pois muitos pecadores que, inebriados com a doçura dos vícios, não pensam no julgamento de Deus, jazem adormecidos, como num torpor, e não aspiram à misericórdia que lhes foi oferecida. Mas tal torpor deve ser afastado, não menos do que deve ser abandonada a confiança em nós mesmos, qualquer que seja, para, desimpedidos, apressarmo-nos em direção a Cristo, para, vazios e estéreis, sermos preenchidos por seus bens. Porque nunca confiaremos nele tanto quanto devemos, a menos que desconfiemos inteiramente de nós mesmos. Nunca alcançaremos o espírito até ele suficientemente, a menos que antes nos rebaixemos; nunca nos consolaremos nele suficientemente, a menos que nos desconsolemos em nós mesmos. Logo, somente estaremos dispostos a aceitar e alcançar a graça quando, tendo lançado fora a confiança em nós mesmos, mas apoiados somente na certeza de sua bondade e, como diz Agostinho, esquecidos de nossos méritos, abraçarmos os dons de Cristo. Porque se ele procurasse méritos em nós, não chegaríamos a seus dons. A isso Bernardo [de Claraval] responde prontamente quando compara os soberbos, que atribuem tudo a seus méritos, a servos desleais, porque retém para si, de modo indevido, o louvor da graça, que apenas passa por eles, como se uma parede dissesse ser a causa do raio de sol que recebe através da janela. Para não nos demorarmos mais nisso, basta reter esta regra, breve mas geral e certa: aquele que se esvaziou por completo, não digo de sua justiça, que é nula, mas da vã e inconstante imagem, este está preparado para participar dos frutos da misericórdia de Deus. Porque tanto maior impedimento coloca o homem à beneficência de Deus quanto mais se compraz em si mesmo.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XII, parágrafo 8)

“... porque, enquanto o homem tem algo que dizer em sua defesa, a glória de Deus de certa forma diminui.”
“... Se estas coisas estão contidas no verdadeiro conhecimento de Deus, para que, abatidos pela consciência da própria iniquidade, entendamos que Ele nos faz o bem de que somos indignos. Para que tentamos, para nosso grande mal, roubar ao Senhor uma pequena porção do louvor dessa gratuita liberalidade? Da mesma forma Jeremias, quando clama ‘Não se orgulhe o sábio em sua sabedoria, nem o rico em suas riquezas, nem o valente em sua valentia; mas quem se orgulha, orgulhe-se no Senhor’ (Jr 9:23-24), acaso não demonstra que de certa forma a glória de Deus decai se o homem se orgulhar em si mesmo?”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XIII, parágrafo 1)

“... Por isso, convém depositar aqui toda nossa esperança e cravá-la bem fundo, por assim dizer; não olhar para nossas obras, nem pedir socorro algum por causa delas. Assim já Agostinho prescreve que o façamos, para que não penses dizermos aqui algo de novo. Diz: ‘Cristo reinará em seus servos para sempre. Deus prometeu isso; Deus disse isso; e se isso é pouco, Deus o jurou. Logo, porque a promessa dele é firme, não segundo nossos méritos, mas segundo sua misericórdia, ninguém deve anunciar com temor aquilo de que não pode duvidar’ [Aug., In Psalm. 88. Enarrat. I, 5 MSL 37, 1123].”
“... Resumindo: a Escritura demonstra que as promessas de Deus não são firmes se não são admitidas com plena confiança; onde quer que exista dúvida ou incerteza, anuncia que são vãs.”
“... Daqui vem também Cristo ser chamado ou ‘Rei da Paz’ (Is 9:6) [ou ‘Príncipe da Paz’, na versão Almeida Revista e Atualizada - ARA] ou ‘Nossa Paz’ (Ef 2:14); porque ele acalma todas as agitações da nossa consciência. Se se pergunta como, é necessário recorrer ao sacrifício com o qual Deus foi aplacado. Porque ninguém poderá deixar nunca de tremer se não souber que Deus só se torna propício pela expiação com a qual Cristo suportou sua ira. Em nenhum outro lugar, enfim, devemos procurar nossa paz, senão nos terrores de Cristo, nosso Redentor.
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XIII, parágrafo 4)

“... ‘Quem nos separará do amor de Deus, que está em Cristo?’ (Rm 8:35). Porque, enquanto não tivermos chegado a esse porto, tremeremos ao menor sopro de vento; mas estaremos seguros mesmo ‘no vale de sombras da morte’, enquanto Deus se mostrar para nós como pastor (Sl 23:4).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XIII, parágrafo 5)