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11 março 2024

"Por que te PERTURBAS, ó minha alma?" (2024)


Por que estás abatida, ó minha alma?

Por que te perturbas dentro de mim?

Espera em Deus, pois ainda o louvarei,

a ele, meu auxílio e Deus meu.” (Sl 42)

Quando contemplamos o Salmo 42, estas palavras do salmista podem ser encontradas nos versos 5 e 11. Segundo os estudiosos, trata-se de um refrão neste “salmo didático[i] dos filhos de Corá. 

Na versão da Bíblia em inglês (ESV - English Standard Version), uma curiosa palavra (turmoil) chama a atenção, sendo traduzida na versão em português (ARA - Almeida Revista e Atualizada) por “te perturbas”, nestes versos 5 e 11 do Salmo 42. A palavra “turmoil” pode assumir vários significados, dentre eles, “tumulto, agitação, turbulência, turbilhão, desordem, perturbação, crise, tempestade, caos”, porém sempre relacionados com a ideia de “instabilidade”.

Segundo os dicionários bíblicos, no original (hebraico) a palavra “turmoil” pode ter os seguintes significados: “murmurar, rosnar, rugir, chorar em alta voz, lamentar, enfurecer, soar, fazer barulho, tumultuar, ser clamoroso, ser inquieto, ser barulhento, ser movido, ser perturbado, estar em alvoroço”.

A origem etimológica da palavra “turmoil” também é bastante interessante, pois é provável que tenha surgido no século XVI, talvez como uma alteração do francês tremouille, que significa “tremonha de moinho”. Por sua vez, a palavra tremouille é proveniente do occitano tremolha, que é o nome de uma aldeia localizada na região da Occitânia [ii], conhecida pela presença de muitos álamos (árvores do grupo dos choupos). Uma das espécies mais conhecidas é o Populus tremula, popularmente chamada de “choupo-tremedor”, sendo nativa de regiões frias e temperadas da Europa, possuindo porte médio (10 a 25m de altura e tronco de até 1m de diâmetro), e com a marcante característica – que inclusive está relacionada ao seu nome científico – de possuir um pecíolo [iii] plano, que faz com que estas árvores estremeçam (ou tremulem) – balançando suas folhas e galhos – até mesmo quando submetidos a brisas bem leves.

Portanto, parece que um dos propósitos do salmista, inspirado pelo Espírito Santo ao usar o recurso didático de perguntar para sua própria alma “Por que estás abatida?”, é nos ensinar a não “se perturbar” (“turmoil”) ou “se agitar” tão facilmente – como uma tremonha de moinho ou um álamo costumam tremular –, quer seja com uma “brisa leve”, quer seja com um “vento forte” de provação ou tribulação. 

Outros textos bíblicos (ver Lm 3:19-25 ou Sl 73:16-17,25-28) também nos ensinam esta sabedoria de que é mesmo um bom exercício para a nossa alma – frágil e acanhada como de costume – lembrar a si mesma como ela se assusta, se perturba ou estremece (ou tremula) diante dos desafios da vida, mesmo que eles pareçam “furacões/tufões/tornados assustadores”, mas na verdade possam ser, de fato, apenas “brisas leves” disfarçadas pelo “teatro” enganoso deste mundo, e também do nosso próprio coração (ver Jr 17:9-10).

Ao invés de “se perturbar”, o salmista nos ensina o caminho a seguir: “Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”.

Ah! Como a Bíblia – a Palavra de Deus – pode trazer conforto supracircunstancial ao cristão, durante a jornada de peregrinação nesta vida... Conforto este que infelizmente o mundo frequentemente não busca conhecer, nem experimentar. No capítulo 4 do livro “A Vida de Robert Murray M'Cheyne: o jovem que viveu na presença de Deus”, de Andrew A. Bonar, existe o registro de que durante a visita missionária deles à Israel em 1839, uma noite Robert se referiu à Bíblia que Andrew havia deixado cair no Poço de Jacó, e enquanto eles estavam descansando em suas tendas, o jovem pastor e poeta R.M. M'Cheyne escreveu o seguinte fragmento em uma folha do seu caderno:

Minha amada Bíblia, devo me separar de ti,

Companheira de minhas labutas por terra e mar;

Homem dos meus conselhos, calmante da angústia,

Guia dos meus passos através do deserto deste mundo!

Nas noites mais escuras, uma lanterna aos meus pés;

Em dias alegres, como gotas do doce mel.

Quando me separei da minha casa tranquila,

Sob teu comando, para o bem de Israel vaguear,

A tua suave voz disse 'Orai por Jerusalém,

Assim Jeová prosperará todo o teu caminho'.

Quando através do deserto solitário nos perdemos,

Suspirando em vão pela sombra refrescante das palmeiras,

Tuas palavras de conforto silenciaram cada medo crescente:

'A sombra da tua poderosa Rocha está próxima'.

E quando armamos nossas tendas nas colinas de Judá,

Ou pensativos meditamos ao lado dos riachos de Siloá;

Sempre que subíamos o Monte das Oliveiras, para contemplar

O mar, onde se erguia nos tempos antigos

A Sodoma atingida pelo céu -

Doce registro do passado, aos olhos alegres da fé,

Doce promessa de glórias ainda por surgir!

Glória somente a Deus por sua entranhável misericórdia!


*Notas:

[i] maskiyl: cântico ou poema de contemplação.

[ii] A região da Occitânia engloba principalmente o sul da França.

[iii] Falando de forma simples, “pecíolo” é o “talo” que prende a folha ao galho da planta.