Alguns trechos do livro "A Cruz", de J.C. Ryle:
“Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gálatas 6:14).
'[...] O que é que Paulo quis dizer com isto? Ele pretendia declarar fortemente que não confiava em mais nada, senão em Jesus Cristo crucificado, para o perdão dos seus pecados e para a salvação da sua alma. Que outros, se quisessem, procurassem a salvação noutro lugar; que outros, se quisessem, confiassem em outras coisas para o perdão e a paz. Mas ele, o apóstolo, estava determinado a descansar sobre nada, apoiar-se em nada, construir a sua esperança sobre nada e colocar a sua confiança e a sua glória em nada, exceto na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.'
1. EM QUE PAULO NÃO SE GLORIOU?
'[...] Quem, entre os leitores deste livro que confia na sua filiação em uma igreja para a salvação de sua alma? Quem se valoriza no seu batismo, ou na Ceia do Senhor, ou na sua presença na igreja aos domingos, ou os seus cultos diários durante a semana e diz a si próprio, "O que é que me falta?". Aprenda hoje que tu não és como Paulo. O vosso cristianismo não é o cristianismo do Novo Testamento. Paulo não se gloriou em nada a não ser na cruz de Cristo. Nem você deveria. Oh, cuidado com a justiça própria. A justiça própria mata dezenas de milhares. Vai e estuda a humildade com o grande apóstolo dos gentios. Vá e sente-se com Paulo ao pé da cruz. Abandone o seu orgulho secreto. Lance fora as suas ideias vãs de sua própria bondade. Agradece se tiveres graça, mas nunca te glories nela por um momento. Trabalhe para Cristo com coração, alma, mente e força, mas nunca sonhe por um segundo em colocar confiança em qualquer obra sua.'
'[...] Não descanseis até o seu coração bater em sintonia com o de Paulo. Não descanseis até poderdes dizer, com ele, “mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”.'
2. EM QUE PAULO SE GLORIOU?
'[...] Querido leitor, Jesus Cristo crucificado foi a alegria, o deleite, o conforto, a paz, a esperança, a confiança, o fundamento, o lugar de descanso, a arca, o refúgio, a comida e o remédio da alma de Paulo. Ele não pensou no que ele próprio havia feito ou sofrido como mérito. Ele não meditou na sua própria bondade ou na sua própria retidão. Ele gostava de pensar no que Cristo havia feito e no que Ele tinha sofrido - na morte de Cristo, na justiça de Cristo, na expiação de Cristo, no sangue de Cristo e na obra terminada de Cristo, e nisto ele se gloriava. Este era o sol da sua alma.'
'[...] Paulo, um blasfemo e perseguidor fariseu, tinha sido lavado no sangue de Cristo. Ele não conseguiu manter a sua calma em relação a isso. Ele nunca se cansou de contar a história da cruz. Este é o assunto em que ele gostava de se deter quando escrevia aos crentes. É maravilhoso observar como as suas epístolas estão geralmente cheias dos sofrimentos e da morte de Cristo, e como atropelam com pensamentos que respiram e palavras que ardem sobre o amor e o poder de Cristo. O seu coração parecia estar cheio deste assunto. Ele expandia este assunto constantemente; voltava a ele continuamente. É o fio dourado que percorre todos os seus ensinamentos doutrinários e exortações práticas. Ele parecia pensar que o cristão mais "santo” nunca poderia ouvir demais sobre a cruz.'
[Nota*]: "Cristo crucificado é a soma do evangelho e contém todas as riquezas d'Ele. Paulo foi tão levado a Cristo que nada mais doce do que Jesus podia cair da sua caneta e dos seus lábios. Observa-se que ele escreveu a palavra Jesus quinhentas vezes nas suas epítsolas." ("The Works of the Late Rev. Stephen Charnock", B.D., 1684)
'[...] Depender da cruz de Cristo para fazer expiação pelos pecadores é a verdade central em toda a Bíblia. Essa é a verdade com que vemos, quando abrimos em Gênesis; a semente da mulher que feriu a cabeça da serpente e foi ferida em seu calcanhar não é mais que uma profecia de Cristo crucificado. Esta é a verdade que brilha, tudo através da lei de Moisés e da história dos judeus. O sacrifício diário, o cordeiro da Páscoa e o derramamento contínuo de sangue no tabernáculo e no templo - todos eram emblemas de Cristo crucificado. Esta é a verdade que vemos na visão do céu antes de encerrarmos o livro de Apocalipse. No meio do trono e dos quatro animais, e no meio dos anciãos, é nos dito que, "estava um Cordeiro como tendo sido morto" (Apocalipse 5:6). Mesmo no meio da glória celestial, temos uma visão de Cristo crucificado. Tire a cruz de Cristo, e a Bíblia é um livro sombrio. É como os hieróglifos egípcios sem a chave que interpreta o seu significado - curioso e maravilhoso, mas sem utilidade real.'
'[...] Você pode conhecer vários preceitos da Bíblia e admirá-los, tal como um homem admira Platão, Aristóteles ou Séneca. Mas se ainda não descobriu que Cristo crucificado é o fundamento de todo o volume, você tem lido sua Bíblia com muito pouco proveito. A sua religião é um céu sem sol, um arco sem brilho, uma bússola sem agulha, um relógio sem mola, ou uma lâmpada sem óleo. Não o confortará e não irá libertar a sua alma do inferno.'
3. POR QUE TODO CRISTÃO DEVE SE GLORIAR NA CRUZ?
'[...] Creio ser uma coisa excelente o fato de estarmos continuamente vivendo sobre a cruz de Cristo. É bom ser recordado frequentemente de como Jesus foi traído nas mãos de homens maus, como eles conspiraram com o julgamento mais injusto, como cuspiram n'Ele, açoitaram-no, espancaram-no e o coroaram com espinhos; como o levaram como um cordeiro para o matadouro sem o seu murmúrio ou resistência, como espetaram os pregos nas Suas mãos e pés e o colocaram no Calvário entre dois ladrões, como o trespassaram com uma lança, como zombaram d'Ele no Seu sofrimento, e o deixaram pendurado nu e a sangrar até morrer. Sim, é bom ser lembrado de todas estas coisas. Não foi por acaso que a crucificação é descrita quatro vezes no Novo Testamento. Há poucas coisas que os quatro escritores dos Evangelhos descrevem. Em geral, se Mateus, Marcos e Lucas dizem alguma coisa na história do nosso Senhor, João não o diz. Mas há uma coisa que os quatro descrevem de forma detalhada; a história da cruz. Isto é um fato revelador e não deve ser negligenciado.'
'[...] "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2Co 5:21). Teria havido um grande abismo entre nós e Deus, que nenhum homem jamais poderia ter passado **. As pessoas parecem esquecer que todos os sofrimentos de Cristo foram suportados de acordo com Sua própria vontade. Ele não se encontrava sob coação. De sua própria escolha Ele deu a sua vida; da sua própria escolha Ele foi até à cruz para terminar o trabalho que veio fazer. Ele poderia ter facilmente convocado legiões de anjos com uma palavra e espalhado Pilatos, Herodes e todos os seus exércitos como palha diante do vento. Mas Ele estava disposto a sofrer. O seu coração estava determinado a salvar os pecadores. Ele estava decidido a abrir uma fonte para todo o pecado e impureza, derramando o seu próprio sangue.'
[Nota**]: "Na humilhação de Cristo, permanece a nossa exaltação; na Sua fraqueza, permanece a nossa força; na Sua humilhação, a nossa glória; na Sua morte, a nossa vida." (Ralph Cudworth, 1618)
'[...] Como posso conhecer o comprimento e a amplitude do amor de Deus Pai por um mundo pecaminoso? Onde o veria mais exposto? Devo olhar para o Seu glorioso sol, brilhando diariamente sobre os ingratos e malvados? Devo olhar para o tempo de colheita, regressando em sucessão anual regular? Sim! Mas posso encontrar uma prova de amor mais forte do que qualquer outra coisa deste tipo! Esse amor está explícito na cruz de Cristo. Vejo nela, não a causa do amor do Pai, mas o efeito. Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores (Rm 5:8).'
'[...] Será que posso saber quão excessivamente pecaminoso e abominável é o pecado aos olhos de Deus? Onde verei isso mais completamente ilustrado? Devo voltar-me para a história do dilúvio e ler como o pecado afogou o mundo? Devo ir à costa do Mar Morto, e observar o que o pecado fez a Sodoma e Gomorra? Devo voltar-me para os judeus errantes e observar como o pecado os espalhou pela face da terra? Não! Pois consigo encontrar maior prova, e essa prova é: olhando para a cruz de Cristo. Ali vejo que o pecado é tão negro e condenável que só o sangue do próprio Filho de Deus o pode lavar. Ali vejo que o pecado me separou tanto do meu Santo Criador que todos os anjos no céu nunca poderiam ter feito a paz entre nós. Nada nos poderia reconciliar, a não ser a morte de Cristo. Se ouvisse a conversa miserável dos homens orgulhosos, poderia por vezes imaginar que o meu pecado não era tão “pecaminoso”. Mas não posso pensar pouco sobre o pecado, quando olho para a cruz de Cristo.'
'[...] "Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rm 8:38-39). Ele pagou caro por isso. Ele não perderá. Ele morreu por mim, quando eu ainda era um pecador imundo. Ele nunca me abandonará, após ter colocado minha esperança n’Ele. Ah, quando Satanás tentar o povo de Cristo, devemos dizer a Satanás para olhar para a cruz.'
[Nota***]: "O crente está tão liberto da ira eterna, que se Satanás e a consciência dizem 'Tu és um pecador, e está sob a maldição da lei', ele pode dizer, 'É verdade, eu sou um pecador; mas Cristo estava na cruz e morreu, e foi feito maldição, e o seu pagamento e sofrimento é o meu pagamento e sofrimento'." (Samuel Rutherford, "Christ Dying and Drawing Sinners to Him", 1647)
'[...] Declaro não conhecer maior prova da depravação do homem do que quando o homem não vê nada na cruz. Os nossos corações podem ser chamados de duros, os olhos da nossa mente podem ser chamados de cegos, toda a nossa natureza pode ser chamada de doente, todos podemos ser chamados de mortos quando a cruz de Cristo é ouvida, porém, negligenciada. Certamente, podemos retomar as palavras do profeta e dizer: "Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra… Coisa espantosa e horrenda se anda fazendo na terra" (Is 1:2; Jr 5:30). Cristo foi crucificado pelos pecadores, no entanto, muitos cristãos vivem como se Ele nunca tivesse sido crucificado.'
'[...] A cruz é a grande peculiaridade da religião cristã. Outras religiões têm leis e preceitos morais, formas e cerimônias, recompensas e punições. Essas religiões não nos falam de um Salvador sofredor. Elas não nos podem mostrar a cruz. Esta é a coroa e a glória do evangelho. Miserável é, de fato, aquele ensinamento religioso que se autodenomina cristão, mas que não contém nada da cruz. Um homem que ensina desta forma seria como um bom professor que explica o sistema solar, mas não diz nada aos seus ouvintes sobre o sol.'
'[...] Um homem pode começar a pregar com um conhecimento perfeito do latim, grego e hebraico, mas fará pouco ou nenhum bem aos seus ouvintes, a menos que conheça a cruz. Nunca houve um ministro que tivesse feito muito pela conversão de almas que não se debruçasse sobre Cristo crucificado. [Martinho] Lutero, [Samuel] Rutherford, [George] Whitefield e [Robert Murray] M'Cheyne foram todos excelentes pregadores da cruz. O Espírito Santo tem o prazer de abençoar esta pregação. Ele adora honrar aqueles que honram a cruz.'
'[...] A cruz é o segredo do sucesso missionário. Nada, mais do que isto, move o coração dos pagãos. À medida que a cruz é erguida, as missões prosperam. Esta é a arma que tem conquistado vitórias sobre corações de todos os tipos, em todos os cantos do globo: africanos, hindus, chineses e outros; todos sentiram o poder da cruz. "Irmãos", disse um índio norte-americano após a sua conversão: “Sou um pagão. Sei como pensam os pagãos. Uma vez chegou um pregador e começou a explicar-nos que havia um Deus, mas dissemos para regressar ao lugar de onde veio. Outro pregador veio e disse-nos para não mentir, nem roubar, nem beber, mas nós não lhe demos ouvidos. Finalmente, outro veio um dia à minha cabana e disse: vim ter convosco em nome do Senhor do céu e da terra, para vos fazer saber que Ele vos fará felizes e vos libertará da miséria. Para este fim, Ele tornou-se um homem, deu a sua vida em resgate, e derramou o seu sangue pelos pecadores. Não pude esquecer essas palavras. Falei aos outros índios, e assim começou a despertar uma esperança entre nós”. Digo, portanto, pregue os sofrimentos e a morte de Cristo, nosso Salvador, se desejais que as vossas palavras ganhem entrada entre os pagãos.'
'[...] A cruz é o fundamento da prosperidade de uma igreja. Nenhuma igreja será alguma vez honrada, na qual Cristo crucificado não seja continuamente levantado; nada pode compensar a falta da cruz. Sem isso, as coisas podem ser feitas decentemente e em ordem; sem isso, pode haver cerimônias esplêndidas, música bonita, igrejas deslumbrantes, ministros eruditos, mesas de comunhão lotadas; mas sem a cruz nenhum bem será feito. Corações imundos não serão iluminados; corações orgulhosos não serão humilhados; corações de luto não serão confortados; corações desmaiados não serão defendidos.'
'[...] Sempre que uma igreja evita Cristo crucificado, ou coloca qualquer coisa naquele lugar principal que Cristo crucificado deveria estar, a partir deste momento uma igreja deixa de ser útil. Sem Cristo crucificado nos seus púlpitos, uma igreja é pouco melhor que um embaraço, uma carcaça morta, um poço sem água, uma figueira estéril, um vigia adormecido, uma trombeta silenciosa, uma testemunha muda, um embaixador sem termos de paz, um mensageiro sem notícias, um farol sem luz, um tropeço para os crentes fracos, um conforto para os infiéis, um foco de formalismo, uma alegria para o diabo e uma ofensa para Deus.'
APLICAÇÕES:
'[...] É um crente angustiado? O seu coração é pressionado pela doença, tentado com desilusões e sobrecarregado de cuidados? A vós digo: "Eis a cruz de Cristo". Pense na mão do que o castiga; pense na mão que mede o copo de amargura que está prestes a beber. É a mão d'Aquele que foi crucificado. Essa mesma mão foi pregada ao madeiro e amaldiçoada, por amor à sua alma. Certamente, esse pensamento deve confortar-vos e encorajar-vos. Certamente, deves dizer a ti mesmo: "Um Salvador crucificado nunca me colocará sobre nada que não seja bom para mim. Portanto, é preciso passar pelo que estou passando".'
'[...] Continue, todos os dias, a olhar constantemente para a cruz de Cristo, e em breve dirá ao mundo, como o poeta fez: "Como o sol que é contemplado faz com que tudo pareça escuro, assim a cruz escurece o falso esplendor deste mundo. Os seus prazeres agora já não me agradam, já não me contentam; longe do meu coração sejam alegrias como estas, agora vi o Senhor. Como pela luz do dia, as estrelas estão todas escondidas; assim também os prazeres terrenos se desvanecem, quando Jesus é revelado".'
'[...] Você é um moribundo, prestes a morrer? Já foi para aquela cama, onde algo dentro de ti lhe diz que nunca se levantará dela vivo? Estais a aproximar-se daquela hora solene, em que a alma e o corpo devem separar-se por uma estação, e devem lançar-se para um mundo desconhecido? Oh, olhai firmemente para a cruz de Cristo, e serás mantido em paz! Fixai firmemente os olhos da vossa mente em Jesus crucificado, e Ele vos libertará de todos os vossos medos. Embora caminhe por lugares escuros, Ele estará convosco. Ele nunca vos deixará, nunca vos abandonará. Sente-se debaixo da sombra da cruz até o fim, e o seu fruto será doce ao seu paladar. "Ah", disse um missionário moribundo, "só há uma coisa necessária numa cama de morte, é sentir os braços em volta da cruz!".'