Trechos do capítulo 1 - "The Nativity" ("O Nascimento") - do livro "The Life of Christ" ("A Vida de Cristo"), de Frederic W. Farrar (várias edições):
'A uma milha de Belém há uma pequena planície, na qual, sob um bosque de oliveiras, fica a desguarnecida e negligenciada capela conhecida pelo nome de "o Anjo dos Pastores". Ela foi construída sobre o local tradicional dos campos onde, na bela linguagem de Lucas - mais requintada do que qualquer idílio para os ouvidos cristãos - "havia pastores guardando seu rebanho durante a noite, quando, eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles" [ver Lc 2:8-9], e aos seus ouvidos felizes foram proferidas as boas novas de grande alegria, que, para eles nasceu, naquele dia, na cidade de Davi, um Salvador, que era Cristo, o Senhor.'
'Mas nos versos breves e emocionantes do Evangelista [Lucas] não nos é dito que aquelas canções angelicais não foram ouvidas por ninguém, exceto aqueles vigilantes pastores de uma aldeia obscura; — e esses pastores, em meio ao orvalho frio de uma noite de inverno, estavam protegendo seus rebanhos do lobo e do ladrão, em campos onde Rute, ancestral de seu Salvador, havia colhido [...] em meio ao milho alheio [ver Rt 2], e Davi, o filho desprezado e mais novo de uma família numerosa, havia pastoreado as ovelhas cheias de filhotes. “E de repente”, acrescenta o único Evangelista [ver Lc 2:13-14] que narrou as circunstâncias daquela noite memorável em que Jesus nasceu, em meio à indiferença de um mundo inconsciente de seu Libertador, “havia com o anjo uma multidão da hoste celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade”. Poderia haver a expectativa de que a [tradição] cristã tivesse marcado o local com esplêndidos memoriais, e consagrado a rude gruta dos pastores com mármores e mosaicos de alguma igreja imponente. Mas, ao invés disso, a Capela do Anjo Arauto é uma mera cripta [gruta] rude; e conforme o viajante desce os degraus quebrados que levam do olival até o seu recanto escuro, ele [viajante/visitante] dificilmente consegue se convencer de que está em um lugar consagrado. No entanto, um senso meio inconsciente de aptidão talvez tenha contribuído para essa aparente negligência. A simplicidade da capela harmoniza bem com o humilde labor daqueles [pastores do campo] cuja visão radiante ela pretende celebrar.'
'Na Palestina, não é incomum que todo o khan (caravanserai - hospedagem), ou pelo menos a parte dele em que os animais são alojados, seja uma daquelas inúmeras cavernas [grutas] que são abundantes nas rochas calcárias de suas colinas centrais. Esse parece ter sido o caso na pequena cidade de Belém-Efrata [ver Mq 5:2], na terra de Judá. Justino Mártir, o Apologista [Apologeta], que, desde seu nascimento em Siquém, estava familiarizado com a Palestina, e que viveu menos de um século após a época de nosso Senhor, coloca a cena da natividade [nascimento de Cristo] em uma caverna. Esta é, de fato, a tradição antiga, que consta tanto das Igrejas Orientais quanto das Ocidentais, e é uma das poucas às quais, embora não registradas na história [relato] do Evangelho, podemos atribuir uma probabilidade razoável. Sobre esta caverna se ergueu a Igreja e o Convento da Natividade, e foi em uma caverna próxima a ela que um dos mais eruditos, eloquentes e santos Padres da Igreja — o grande Jerônimo, a quem devemos a tradução latina [Vulgata] da Bíblia — passou trinta de seus últimos anos em estudo, jejum e oração.'
'O recenseamento atraiu tantos estrangeiros para a pequena cidade [Belém] que "não havia lugar para eles na estalagem" [ver Lc 2:1-7]. Na rude gruta de calcário anexada a ela como um estábulo, entre o feno e a palha espalhados para a alimentação e descanso do gado, cansados da jornada do dia, longe de casa, no meio de estranhos, na fria noite de inverno — em circunstâncias tão desprovidas de todo conforto ou esplendor terreno que é impossível imaginar um nascimento mais humilde — Cristo nasceu.'
'Distante a apenas algumas milhas, no planalto da abrupta e singular colina, agora chamada Jebel Fureidis, ou "Pequena Montanha do Paraíso", erguia-se a fortaleza do palácio do Grande Herodes. As casas magníficas de seus amigos e cortesãos se aglomeravam ao redor de sua base. Os humildes viajantes, ao passarem perto dela, poderiam ter ouvido os voluptuosos menestréis com os quais suas festas eram celebradas, ou os gritos dos rudes mercenários cujas armas impunham obediência ao seu senhor despótico [Herodes]. Mas o verdadeiro Rei dos Judeus — o legítimo Senhor do Universo — não era encontrado no palácio ou na fortaleza. Aqueles que vestiam panos macios estavam nas casas do rei [Herodes]. Os estábulos de gado dos humildes caravançarai [caravanserai] eram um local de nascimento mais adequado para Aquele [Jesus Cristo] que veio revelar que a alma do maior monarca [como Herodes] não era mais querida - ou maior - aos olhos de Deus, do que a alma de seu escravo mais vil; [era mais adequado] para Aquele que não tinha onde reclinar a cabeça; para Aquele que, de Sua cruz de vergonha, governaria o mundo.'
'Eles [artistas/pintores que tentaram descrever o nascimento de Cristo - natividade - ao longo da história] pintaram a irradiação da luz do Seu berço-manjedoura, iluminando todo o lugar, até que os espectadores [apreciadores dos quadros pintados] sejam forçados a proteger os olhos daquele esplendor celestial. Contudo, tudo isso está longe da realidade. Tais glórias que os simples pastores viram, foram vistas apenas pelos olhos da fé; e tudo o que encontraram foi um camponês [José] da Galileia, já além do auge da vida, e uma jovem mãe [Maria], de quem eles [os pastores] não podiam saber que ela era uma donzela casada e esposa virgem, com um Filho Infante, a quem, como não havia ninguém para ajudá-la, suas próprias mãos envolveram em faixas [ver Lc 2:12]. A luz que brilhou na escuridão não era física, mas um raio espiritual; o Amanhecer do alto [ver "Cântico de Simeão" Lc 2:29-32], que agora havia visitado a humanidade, amanheceu apenas em alguns corações fiéis e humildes.'
'E os Evangelhos, sempre verdadeiros e trazendo em cada página aquela simplicidade que é o selo da narrativa honesta, indicam esse fato [nascimento de Cristo] sem comentários. Não há neles nada da exuberância do maravilhamento, do mistério e do milagre, que aparecem igualmente nas imaginações judaicas sobre seu Messias vindouro, e nas narrativas apócrifas sobre o Menino Jesus. Não há critério mais decisivo de sua credibilidade absoluta como histórias simples, do que o marcante e violento contraste que eles [Evangelhos verdadeiros: Mt, Mc, Lc, Jo] oferecem a todos os evangelhos espúrios dos primeiros séculos e a todas as lendas imaginativas que se aglomeraram em torno deles. Se nossos Evangelhos não fossem autênticos, eles também deveriam inevitavelmente ter participado das características que marcam, sem exceção, toda ficção antiga sobre a vida do Salvador. Para a fantasia não iluminada [sem a inspiração do Espírito Santo], teria parecido incrível que o evento [nascimento da Segunda Pessoa da Trindade Bíblica] mais estupendo da história do mundo tivesse ocorrido sem convulsões e catástrofes.'
'Contudo, desse súbito silêncio e pausa da Natureza atônita, dos parélios e esplendores misteriosos que resplandeciam em muitos lugares do mundo, do parto sem dor, da virgindade perpétua, do boi e do jumento ajoelhados para adorá-Lo na manjedoura, da voz com a qual imediatamente após Seu nascimento Ele disse à sua mãe que Ele era o Filho de Deus, e de muitas outras maravilhas que se enraizaram nas primeiras tradições [fantasiosas], não há nenhum vestígio no Novo Testamento [relato bíblico dos verdadeiros Evangelhos]. As invenções do homem diferem totalmente dos procedimentos [providência] de Deus. Em Seus desígnios não há pressa, nem descanso, nem cansaço, nem descontinuidade; todas as coisas são feitas por Ele na majestade do silêncio, e são vistas sob uma luz que brilha silenciosamente na escuridão, “mostrando todas as coisas na lenta história de seu amadurecimento”. “As profundezas insondáveis dos conselhos divinos”, foi dito, “foram movidas; as fontes do grande abismo foram quebradas; a cura das nações estava surgindo; mas nada foi visto na superfície da sociedade humana, além desta leve ondulação da água [a simples e humilde encarnação do Verbo]; o curso das coisas humanas continuou como de costume, enquanto cada um estava ocupado com pequenos projetos próprios”.'