Trechos do Prefácio (do próprio autor) do livro "The Life of Christ" ("A Vida de Cristo"), de Frederic W. Farrar (várias edições):
'Aceitei fazer o esforço, sabendo que poderia pelo menos prometer fazer o meu melhor, e acreditando que aquele que faz o melhor que pode, e também busca a bênção de Deus sobre seus trabalhos, não pode final e completamente fracassar.'
'E tenho motivos para ser grato por ter originalmente entrado na tarefa [escrever o livro] e, apesar de todos os obstáculos, ainda ter perseverado nela. Se as páginas seguintes, em alguma medida, cumprirem os objetivos com os quais tal Vida [Jesus Cristo] deveria ser escrita, elas [páginas] deveriam preencher as mentes daqueles que as leem com pensamentos solenes e não ignóbeis; elas deveriam “adicionar luz do sol à luz do dia, tornando os felizes mais felizes”; elas deveriam encorajar o trabalhador; elas deveriam consolar os tristes; elas deveriam apontar os fracos para a única fonte verdadeira de força moral. Contudo, quer este livro seja assim abençoado para fins elevados, ou quer seja recebido com dureza e indiferença, pelo menos nada pode me roubar a profunda e constante felicidade que senti durante quase todas as horas que foram gastas nele.'
'[...] em comum com dezenas de milhares que são mais capazes e sábios do que eu, ainda posso dizer, respeitando cada doutrina fundamental da fé cristã, "manet immota fides" ["permanece como está", em latim].'
'Escrevendo como um crente, para crentes, como um cristão, para cristãos, certamente, depois de quase dezenove séculos de cristianismo, qualquer um pode ter permissão para apoiar um fato da Vida de Jesus no testemunho de João, sem parar para escrever um volume sobre a autenticidade do Quarto Evangelho; ou pode narrar um dos milagres do Evangelho sem considerar necessário responder a todos os argumentos que foram apresentados contra a possibilidade do sobrenatural. Depois dos longos labores, do raciocínio poderoso e da perfeita franqueza histórica com que este assunto foi tratado por uma série de apologistas [apologetas], é certamente tão desnecessário quanto impossível lançar novamente, em todas as ocasiões, os fundamentos mais embasadores da nossa fé. Quanto a João, portanto, contentei-me com o mais breve resumo de algumas das evidências, que para mim ainda parecem adequadas para provar que ele foi o autor do Evangelho que está associado ao seu nome, e indicações menores tendendo a fortalecer essa convicção serão encontradas espalhadas por todo o livro. Seria realmente hipocrisia da minha parte dizer com Ewald que “todo argumento, de todos os quadrantes que podemos olhar, cada traço e registro, combinam-se para tornar qualquer dúvida séria sobre a questão absolutamente impossível”; mas eu digo que, após a mais justa e completa consideração que fui capaz de fazer a uma questão cercada de dificuldades, os argumentos em favor da autoria joanina parecem-me imensamente preponderantes.'
'O cético [que duvida] — e deixe-me dizer aqui, de uma vez, que espero não usar nenhuma palavra de raiva ou denúncia contra um ceticismo que sei ser, em muitos casos, perfeitamente honesto e abnegadamente nobre — aborda o exame da questão de um ponto de vista exatamente oposto ao do crente [que acredita]. Ele olha para a ordem majestosa e a uniformidade aparentemente ininterrupta da Lei, até que o Universo se torne para ele [o cético] apenas o resultado mecanicamente evoluído de tendências ao mesmo tempo irreversíveis e auto-originadas. Para nós [crentes], tal concepção é totalmente inconcebível. A Lei, para nós, envolve a necessidade de postular um Legislador, e a "Natureza", que usamos apenas como um sinônimo não científico e imaginativo para a soma total dos fenômenos observados, envolve, em nossas concepções, o Poder Divino de cuja energia ela é apenas a translucidez visível. Acreditamos que o Deus e Criador da "Natureza" se fez conhecido a nós, se não por uma intuição primitiva, pelo menos por revelação imediata aos nossos corações e consciências. E, portanto, tais narrativas, como aquelas às quais aludi, não são apresentadas a nós despidas e isoladas, em toda a sua não-suportada e surpreendente dificuldade. Para nós, elas são apenas itens incidentais em uma fé que está nas próprias bases do nosso ser — são apenas fragmentos daquele grande todo que compreende tudo o que é divino, misterioso e sobrenatural nas duas grandes palavras, cristianismo e cristandade. E, portanto, embora não mais insistamos proeminentemente nos milagres de Cristo como provas de nossa religião [fé cristã], ainda assim, por outro lado, não podemos considerá-los como obstáculos no caminho de uma crença histórica. Estudamos os livros sagrados de todas as grandes religiões do mundo; vemos o efeito exercido por essas religiões na mente de seus devotos; e, apesar de todas as verdades que, até mesmo, as piores delas consagraram, observamos o fracasso de todas elas em produzir as bênçãos inestimáveis que nós mesmos desfrutamos desde a infância, que estimamos tão valiosas quanto nossa vida, e que consideramos exclusivamente devidas à disseminação e ao estabelecimento da fé [cristã] que mantemos. Lemos os sistemas e tratados da filosofia antiga e, apesar de todos os grandes e nobres elementos que deles abundam, vemos sua total incapacidade de consolar, ou apoiar, ou libertar, ou regenerar o mundo. Então, vemos a luz do cristianismo raiar como um suave amanhecer em meio à escuridão universal e intolerável. Desde o início, essa nova religião [fé] se alia às fraquezas absolutas do mundo e às fraquezas que ele compartilha; ainda assim, sem riqueza, sem aprendizado, sem gênio, sem armas, sem nada para deslumbrar e atrair — a religião [fé] dos párias e exilados, dos fugitivos e prisioneiros — numerando, entre seus primeiros convertidos, não muitos sábios, nem muitos nobres, nem muitos poderosos, mas como o carcereiro de Filipos [ver At 16:29-34] e o escravo fugitivo de Colossos [Onésimo, na epístola paulina a Filemon] — sem nenhuma bênção aparentemente sobre ela [fé], exceto Aquela que vem do alto — sem nenhuma luz sobre ela [fé], exceto a luz que vem do céu — ela [fé] põe em fuga reis e seus exércitos; ela [fé] sopra uma nova vida, uma nova esperança e uma nova e desconhecida santidade, em um mundo repleto de culpa, e decrépito. Isso, nós vemos; e vemos a obra crescer, aumentar, se tornar mais e mais irresistível e se espalhar “com a gentileza de um mar que acaricia a costa que banha”. E, vendo isso, nós nos lembramos do princípio fiel do sábio e tolerante Rabino [Gamaliel - At 5:33-39], proferido há mais de 1.800 anos — “Se este conselho ou esta obra for de homens, não dará em nada; mas se for de Deus, não podeis derrubá-la, para que não sejais encontrados lutando contra Deus”.'
'E, quando fomos assim levados a ver e a crer que a única religião [fé] no mundo, que estabeleceu o ideal de uma santidade perfeita, e tornou comum a obtenção desse ideal, recebeu em medida conspícua a bênção de Deus, examinamos suas verdades com uma reverência mais profunda. O registro dessas verdades — o registro daquele ensinamento que as tornou familiares ao mundo — encontramos na narrativa do Evangelho. E, essa narrativa nos revela muito mais. Ela não apenas nos fornece uma razão adequada para a existência e para os triunfos da fé que mantemos, mas também nos traz para casa verdades que afetam nossos corações e intelectos não menos poderosamente do que “os céus estrelados acima e a lei moral interior”. Ensinados a nos considerarmos filhos de Deus e irmãos comuns em Sua grande família de homens, encontramos nos Evangelhos uma revelação de Deus, em Seu Filho, que nos capacita a conhecê-Lo mais, e a confiar Nele mais absolutamente, e a servi-Lo mais fielmente, do que tudo o que podemos encontrar em todos os outros livros de Deus, seja nas Escrituras, ou na história, ou na experiência da vida, ou naquelas mensagens invisíveis que Deus escreveu em cada coração individual. E, descobrindo que essa revelação foi registrada por homens honestos em narrativas que, embora fragmentadas, parecem resistir ao teste da história, e trazer à tona todas as marcas de simplicidade transparente e veracidade perfeita — preparadas para a recepção dessas boas novas do amor de Deus na redenção do homem, pelos fatos do mundo exterior, e pelas experiências do coração interior — assim deixamos de encontrar qualquer dificuldade esmagadora no registro de que Aquele que acreditamos ter sido o Filho de Deus — Aquele que sozinho demonstrou na terra o milagre transcendente de uma vida sem pecado — deve ter andado no Mar da Galileia ou transformado a água em vinho.'
'E, quando aceitamos assim a verdade dos milagres, eles se tornam para nós lições morais do mais profundo valor. Ao considerar os milagres de Jesus, estamos em uma posição totalmente diferente dos primeiros discípulos. Para eles, a evidência dos milagres emprestou uma força avassaladora aos ensinamentos do Senhor; eles eram como o selo de Deus para a proclamação do novo reino. Mas, para nós que, por dezenove séculos, fomos filhos desse reino, tal evidência é desnecessária. Para os apóstolos, eles [milagres] eram as credenciais da missão de Cristo; para nós, eles [milagres] são apenas novas revelações de Sua vontade. Para nós, eles [milagres] são obras, ao invés de sinais, revelações, ao invés de presságios. Sua importância histórica reside para nós no fato de que, sem eles, seria impossível explicar a origem e a disseminação do cristianismo. Apelamos a eles [milagres] não para provar a verdade do cristianismo, mas para ilustrar sua disseminação. Mas, embora para nós o cristianismo se baseie em uma aprovação Divina muito mais convincente do que a demonstração de poder sobrenatural — embora para nós a providência que por esses dois milênios governou os destinos da cristandade seja um milagre muito mais estupendo em sua força probatória do que a ressurreição dos mortos ou a iluminação [restauração da visão] dos cegos — ainda assim, uma crença nesses milagres nos permite resolver problemas que, de outra forma, seriam insolúveis, bem como abraçar concepções morais que, de outra forma, não teriam encontrado ilustração. Para àqueles que os rejeitam [milagres] — para àqueles que acreditam que a moral mais elevada e a piedade mais Divina que a humanidade já viu foram evocadas por uma religião [fé] que se baseou em erros ou mentiras — a história do mundo deve permanecer, parece-me, um enigma sem esperança ou uma fraude revoltante.'
'Alguns leitores talvez se surpreendam com a frequência das alusões à literatura judaica. Sem embarcar no “mar do Talmude” (como os próprios rabinos o chamam) — uma tarefa que exigiria uma vida inteira — um leitor moderno pode encontrar não apenas os materiais mais amplos, mas provavelmente todos os materiais que ela [literatura judaica] pode oferecer para a ilustração da história do Evangelho, nos escritos não apenas de cristãos, mas também de rabinos eruditos e sinceros. Não apenas nos tratados bem conhecidos de Lightfoot, Schottgen, Surenhuys, Wagenseil, Buxtorf, Otho, Reland, Budaius, Gfrorer, Herzfeld, McCaul, Etheridge, mas também naqueles de judeus por nascimento ou religião, ou ambos, como Geiger, Jost, Grutz, Derenbourg, Munk, Frankl, Deutsch, Baphall, Schwab, Cohen, qualquer um pode encontrar grandes citações das autoridades originais coletadas tanto por adversários quanto por estudantes reverentes e admiradores. Além disso, ele [o leitor] pode ler a Mishna inteira (se tiver tempo e paciência para fazê-lo), na versão latina de Surenhusius, e pode agora formar seu julgamento a respeito de grandes e importantes tratados, mesmo da Gemara, a partir de traduções como a francesa do Berachoth por M. Moise Schwab. Eu mesmo [F.W. Farrar] consultei todas as autoridades aqui nomeadas, e obtive delas muitas informações que me parecem eminentemente úteis. Suas pesquisas lançaram uma torrente de luz sobre algumas partes dos Evangelhos, e me levaram a algumas conclusões que, até onde sei, são novas. Eu, de fato, no segundo Excursus ["uma digressão incidental do tópico principal em discussão ou da história principal de uma narrativa"] do Apêndice, mostrei que nada, da menor importância, pode ser extraído dos talmudistas sobre o próprio Senhor [Jesus]. O valor real dos escritos rabínicos, na ilustração dos Evangelhos, é indireto, não direto — é arqueológico, não controverso. A luz que eles lançam sobre a fidelidade dos evangelistas é ainda mais valiosa porque é derivada de uma fonte tão insuspeitada e tão hostil.'
'Se, em qualquer parte deste livro, eu pareci pecar contra a lei divina da caridade [amor ágape], devo aqui pedir perdão por isso. Mas, pelo menos, posso dizer que qualquer traço de aspereza que possa ser encontrado em qualquer página dele [livro], nunca foi direcionado contra homens, mas contra princípios, ou apenas contra aqueles homens ou classes de homens, em eras passadas, que consideramos unicamente como representantes de princípios. É possível que este livro caia nas mãos de alguns leitores judeus, e a estes particularmente eu gostaria que esta observação fosse endereçada. Tenho motivos para acreditar que o povo judaico há muito [tempo] aprendeu a olhar com amor e reverência para Aquele a quem seus pais rejeitaram; mais ainda, que muitos deles, convencidos pela lógica irrefutável da história, reconheceram abertamente que Ele era, de fato, seu Messias prometido, embora ainda rejeitem a crença em Sua divindade. Vejo, nos escritos de muitos judeus, uma clara convicção de que Jesus, a quem eles deixaram de aplicar os termos de ódio encontrados no Talmude, foi, de qualquer forma, o maior Mestre religioso, o mais elevado e nobre Profeta que seu povo produziu. Eles, portanto, seriam os últimos a defender o maior crime da história — a crucificação do Filho de Deus. E, enquanto nenhum cristão jamais sonha em infligir a eles o horror devido ao pecado de seus ancestrais, nenhum judeu acusará os cristãos de hoje de olhar com qualquer sentimento além da simples aversão às longas, cruéis e infames perseguições às quais a ignorância e a brutalidade de eras passadas sujeitaram seu grande e nobre povo. Podemos, humildemente, acreditar que o dia está se aproximando rapidamente, quando Aquele [Jesus] a quem os judeus crucificaram, e cujas revelações divinas os cristãos têm tão frequentemente e tão gravemente desonrado, quebrará o muro de separação entre eles [judeus e cristãos] e tornará ambos os povos uma só em religião [fé], coração e vida — semitas e arianos, judeus e gentios, unidos para abençoar e evangelizar o mundo.'
'Resta apenas uma tarefa — a agradável tarefa de agradecer àqueles amigos a cuja pronta ajuda e simpatia devo tanto, e que cercaram de memórias e obrigações felizes a conclusão do meu trabalho. Primeiro e acima de tudo, meus mais sinceros e sinceros agradecimentos são devidos aos meus amigos, Sr. C. J. Monro, falecido membro do Trinity College, Cambridge, e Sr. R. Garnett, do Museu Britânico. Eles me deram uma quantidade de tempo e atenção, o que me deixa, em grande parte, em dívida com sua generosidade altruísta; e fiz reivindicações à sua indulgência, mais extensas do que posso retribuir adequadamente. Ao meu antigo aluno, Sr. H. J. Boyd, falecido estudioso do Brasemose College, Oxford, sou grato pelo Índice. Também tenho que agradecer ao Rev. Professor Plumptre e ao Sr. George Grove, não apenas pelo caloroso interesse que tiveram em meu trabalho, mas também por algumas sugestões valiosas. Há muitos outros, não nomeados aqui, que acreditarão, sem nenhuma garantia minha, que não sou ingrato pela ajuda que eles prestaram; e devo especialmente oferecer meus melhores agradecimentos ao Rev. T. Teignmouth Shore — por cujo gentil encorajamento o livro não teria sido empreendido — e àqueles que com tanto cuidado e paciência o conduziram através da impressão [gráfica]. E, agora, envio estas páginas sem saber o que lhes acontecerá, mas com a oração sincera de que sejam abençoadas para ajudar a causa da verdade e da retidão, e que Aquele em cujo nome elas estão escritas possa, por Sua misericórdia, “Perdoá-las onde elas falham na verdade; E, em Sua sabedoria, me faça sábio.” F. W. F. [Farrar]'