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03 janeiro 2025

Livro: "Amado Timóteo" (HUMILDADE)

Trechos do capítulo 7 - "Cultive a humildade" (C.J. Mahaney) - do livro "Amado Timóteo: uma coletânea de cartas ao pastor", editado por Thomas K. Ascol (versão e-book/kindle):

'Muitas pessoas acreditam na Bíblia. Muitos pastores a conhecem extremamente bem. Muitos reconhecem que ela é nosso único e inteiramente confiável guia para a vida e fé. Mas igrejas fortes — isto é, igrejas nas quais os membros estão crescendo em santificação e glorificando cada vez mais a Deus, tanto em suas vidas públicas quanto privadas — são igrejas nas quais os líderes não se limitam a meramente ensinar a sã doutrina. Eles também lideram, e são verdadeiros modelos, na aplicação consistente da verdade bíblica em toda a sua vida. Eu afirmo isto com inteira confiança: daqui a uma década, seu ministério terá frutificado na mesma medida que você tanto tenha ensinado as Escrituras de forma apropriada quanto também a tenha aplicado de maneira consistente — em sua própria vida, na vida de sua família, entre seus companheiros presbíteros e na sua igreja. Igrejas eficazes são construídas não somente através do ensino da verdade bíblica, mas também através da aplicação dessa verdade, pela graça de Deus.'

'[C.J. Mahaney] Por muitos anos, mantive uma lista de práticas [para cultivar a humildade]. Elas derivaram das três décadas que passei procurando crescer na graça. Algumas são itens de específica aplicação diária - são coisas que eu realmente tento observar todos os dias. Outros desses itens são áreas de ênfase e de aplicação regular e consistente durante todo o ano. Na falta de um termo melhor, eu a chamo de minha lista anual. São as coisas nas quais procuro dedicar grande parte de minha atenção, para que meu caráter continue a ser informado sobre os efeitos dominadores do orgulho e aqueles que induzem à humildade. Não conheço nenhuma forma melhor de crescer em humildade do que observar um conjunto de práticas concretas e tangíveis. Aqui estão aquelas que, pela graça de Deus, têm provado sua eficácia para mim. Não estou encorajando uma rigorosa imitação destas práticas. Eu as ofereço para instigá-lo a considerá-las, de modo que você venha a desenvolver sua própria lista. Mas para o bem de sua própria família, e de sua igreja, você deve ter uma lista.'

[1]. 'O primeiro item de minha lista anual é estudar os atributos de Deus. Focando-me especialmente nos atributos incomunicáveis de Deus, aqueles que não têm reflexo ou ilustração no homem ou em qualquer lugar da criação. (Note como, em Isaías 66, Deus chama nossa atenção para sua grandeza única e sem paralelos) [...] Verdadeiramente, meu amigo, esta é a profundeza do mar teológico. Este Ser infinito é auto-existente e auto-suficiente. Tudo na criação, desde você e eu, até às criaturas celestiais, aos átomos de gás nas profundezas do espaço, estão, para sua mera existência, momento a momento, sob completa dependência da atenção sustentadora de Deus. Mas antes do tempo, e por todo o tempo, e ainda fora do tempo, Deus sempre e unicamente depende de si mesmo. Nós somos como a grama que murcha e seca, mas Ele sozinho tem o poder da existência absoluta. Como Matthew Henry, escreveu: “O maior e melhor de todos os homens no mundo tem de dizer ‘Pela graça de Deus eu sou o que sou’. Mas Deus diz apenas — ‘Eu sou o que sou’ — e isso é mais do que qualquer outra criatura, homem ou anjo, poderia dizer” [Matthew Henry, Commentary on the Whole Bible, vol.1, Êx 3:14]. Tal contemplação irá inevitavelmente enfraquecer o seu orgulho.'

[2].'Em segundo lugar, nunca se desvie do caminho da cruz. Viva como alguém que constantemente avista — e bem próximo — a cruz maravilhosa, na qual o Príncipe da Glória morreu. Como eu disse antes, não posso fazer nada além, e certamente também não posso fazer nada melhor, que chamar sua atenção à centralidade do sacrifício do nosso Salvador. Um amigo certa vez contou-me sobre uma oportunidade que ele teve de entrevistar Carl Henry, um homem verdadeiramente humilde que, como você bem sabe, é provavelmente o intelectual evangélico mais importante da última metade do século vinte. Ele perguntou ao Dr. Henry, que já se aproximava dos oitenta anos, como ele havia permanecido tão humilde por tantas décadas. O Dr. Henry apenas respondeu: “Como alguém pode ser arrogante quando se coloca ao lado da cruz?” Eu não tenho qualquer ilusão de que meu caráter sequer se aproxime daquele do Dr. Henry, mas há um livro que teve valor incalculável em ajudar-me a permanecer ao lado da cruz: The Atonement, de Leon Morris.'

[3].'Em terceiro lugar, estude as doutrinas da graça. Conforme você mergulhar nos estudos da eleição, chamado, justificação e perseverança, será lembrado de que tudo o que temos e tudo o que somos como cristãos começa em Deus, termina em Deus e depende de Deus. Estas doutrinas tão ricas não deixam qualquer espaço para autocongratulação. Mark Webb escreveu: “Deus planejou a salvação de forma que nenhum homem possa se orgulhar dela. Ele não apenas a preparou de um modo que o orgulho fosse desencorajado ou mantido em níveis mínimos; Ele a planejou de tal forma que o orgulho é absolutamente excluído. A eleição faz precisamente isto” [Mark Webb, What Difference Does It Make?; Reformation & Revival Journal 3, no. 1 (Winter 1994)]. A arrogância pessoal e uma verdadeira apreciação pela teologia reformada não podem co-existir; a verdade expulsará o orgulho de seu covil. Para mim, um livro muito útil nesta área tem sido a obra de Anthony Hoekema, Saved by Grace (Salvos pela Graça).'

[4].'Em quarto lugar, estude a doutrina do pecado. Eu li sobre uma placa que estava no espelho do provador de uma loja, que dizia: “Objetos no espelho podem parecer maiores do que eles realmente são”. Timóteo, quando você permite que a doutrina do pecado instrua a sua autopercepção, esta não será a sua experiência. Compreender a profundidade e a depravação do pecado em nossas vidas, não permite que tenhamos uma percepção enfatuada de nós mesmos. A melhor forma de se preparar para o estudo do pecado é, em primeiro lugar, estudar a santidade de Deus, pois somente nela podemos encontrar a inexistência absoluta de pecado. Examine as Escrituras neste tópico, e assegure-se de ler o livro The Holiness of God (A Santidade de Deus), de R. C. Sproul.'

[5].'Em quinto lugar, ponha a doutrina do pecado em prática. Vendo que todos os homens são pecadores, Mike Renihan observa: “Os pecadores podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles que admitem seu próprio pecado, e aqueles que não admitem. Dentre aqueles que admitem serem pecadores, podemos ver dois outros grupos: aqueles que tomam alguma atitude em relação a isto, e aqueles que nada fazem a respeito” [Mike Renihan, A Pastor's Pride and Joy, Table Talk 53 (July 1999)]. Timóteo, o pastor humilde é o homem que toma alguma atitude a este respeito, especialmente através da confissão e da busca pela correção.'

'Por acaso sua esposa, seus amigos ou até mesmo aqueles que servem com você em sua igreja poderiam dizer que você pede ajuda sem dificuldade? Alfred Poirier escreveu um artigo excelente neste assunto, intitulado The Cross and Criticism (A Cruz e a Crítica). Os itens que acabei de citar ajudarão qualquer cristão a crescer em humildade, mas os que estão alistados a seguir se aplicam especificamente a pastores.'

[1].'Estude diligentemente, mas reconheça suas limitações teológicas. Enquanto seus filhos crescem, Timóteo, você será várias vezes bombardeado com questões teológicas que simplesmente não é capaz de responder. Nosso filho Chad, que recentemente fez nove anos, faz muitas destas perguntas, e várias vezes eu simplesmente tenho de dizer: “Eu não sei, filho”. (Na verdade, eu digo isto tão frequentemente que a esta altura ele pode estar pensando que não é necessário saber muita coisa para se tornar um pastor). Os membros da sua congregação também irão lhe fazer perguntas difíceis. Sejamos apropriadamente influenciados pela estimativa de Calvino de que até mesmo os melhores teólogos estão certos apenas 80 por cento das vezes. Então, em meu melhor dia, qual terá sido minha porcentagem? Metade disso? Além do mais, até onde eu saiba, nunca tive algum pensamento original. Quando ensino ou aconselho, estou me beneficiando dos trabalhos de homens melhores e mais sábios que vieram antes de mim. Se hoje enxergo alguma coisa, é apenas porque me apoio nos ombros deles — e jamais gostaria de deixar em alguém uma impressão diferente desta. Quando estiver instruindo ou aconselhando, a consciência de suas limitações suavizará e fará humilde suas atitudes, tom de voz e até mesmo suas conversas.'

[2].'Logo antes de pregar, leia Spurgeon. Sempre que possível, tento encontrar e ler na noite de sábado, algum sermão de Charles Spurgeon no mesmo assunto ou texto que estarei pregando na manhã seguinte. Spurgeon mostra como deveria ser a pregação, e o lembra de que você não consegue pregar daquela forma. Ler o Príncipe dos Pregadores sempre rebaixa minha opinião sobre meu próprio sermão, e aumenta minha dependência de Deus.'

[3].'Use em seus sermões e aconselhamento, ilustrações livres de quaisquer méritos ou elogios sobre você mesmo. A preparação de meus sermões não está completa, até que eu tenha conseguido inserir uma confissão pessoal apropriada ou uma ilustração que me traga humildade. Baseado nos comentários que tenho recebido ao longo dos anos, estas são as coisas mais memoráveis que digo (o que é por si mesmo bastante aviltante). Esta prática também apresenta a todos os reunidos ali um exemplo desafiador de humildade.'

[4].'Reconheça sua relativa insignificância. Um pastor é um meio vital da graça para a sua igreja e aos que ele serve. No entanto, ao mesmo tempo, ninguém é insubstituível. Charles DeGaulle observou isto: “Os cemitérios estão cheios de homens indispensáveis”. Caso eu morresse antes de terminar esta carta, o que aconteceria? Haveria alguma lamentação entre aqueles que me amam. Mas em alguns meses este pranto teria praticamente desaparecido. Em seis meses, para quase todos, eu não seria nada além de uma doce memória, uma voz vagamente familiar guardada em alguma fita velha e esquecida. Deus, em sua misericórdia e amor pela igreja, consagraria ricamente meu substituto até que a eficiência dele claramente sobrepujasse a minha. E quanto a mim, não me importaria nem um pouco. Eu estaria no céu!'

[5].'Prepare-se para ser substituído. Estou aqui apenas esquentando o banco para alguma outra pessoa. O tempo pode ser incerto, mas um dia certamente serei substituído. E você também. Nossa substituição é inevitável. Você faria bem, se começasse desde agora a preparar seu coração, a fim de que quando a mudança aconteça você seja capaz de responder de uma forma que traga glória para o nome de Deus e honra para a sua igreja.'

[6].'Jogue futebol o mais frequentemente possível, e assegure-se de estar jogando com amigos que não hesitarão em fazer piadas das terríveis jogadas que você certamente fará de tempos em tempos. Esse é um bom esporte para exercitar a humildade.'

'Tenho de seguir adiante, bem rápido, agora, em minha lista diária [...] Ela me ajuda, durante o dia todo, a tirar vantagem daqueles inúmeros momentos mundanos [seculares], que podem ser transformados em meios de experimentar a graça de Deus. E também me ajuda a terminar o dia completamente consciente de que Sua graça faz todas as coisas boas possíveis.'

[1].'Primeiramente, comece o dia admitindo sua dependência de Deus, sua necessidade de Deus, e sua confiança em Deus. Timóteo, estou me referindo aos primeiros pensamentos do dia. Quando o despertador toca, imediatamente procuro dirigir meu coração para Deus, expressando minha dependência dEle. E, propositadamente, continuo a cultivar esta atitude, conforme me preparo para o dia. Se eu não o fizer, meus pensamentos irão — com toda a certeza — em direção à autodependência.'

[2].'Em segundo lugar, enquanto você direciona seus pensamentos para Deus, ajusta o tom para o dia todo, expressando gratidão a Ele. “A gratidão é um solo no qual o orgulho dificilmente cresce” [Michael Ramsey, The Christian Priest Today, Londres, SPCK, 1972, 79], e a gratidão começa com o evangelho. A melhor forma que encontrei para lutar contra o esquecimento e a distração que tão facilmente minam nossa gratidão é — como Jerry Bridges diz — pregar o evangelho para si mesmo todos os dias. Então comece cada dia fazendo exatamente isto, e, então, direcione a sua gratidão para Deus, por causa do evangelho. Conforme o dia avança, proponha-se a reconhecer e expressar gratidão pelos inúmeros “lembretes” que Deus coloca ao nosso redor, a fim de não nos esquecermos de sua graça. Dizem que ao conhecer Matthew Henry as pessoas logo se davam conta de que ele estava sempre alerta e era um grato observador das respostas de oração. Eu quero ser como ele. A ingratidão é a marca de um homem orgulhoso; porém, expressar gratidão consistentemente é um golpe fulminante em minha arrogância autoglorificadora.'

[3].'Em terceiro lugar, pratique as disciplinas espirituais todos os dias. Estou convencido de que é sempre melhor fazer isto pela manhã, em parte porque ajuda a ajustar o clima de dependência de Deus para o dia. A disciplina espiritual é uma declaração aliada a uma demonstração diária de minha necessidade de Deus e minha dependência dEle. Considero impressionantes as palavras de Charles Hummel: “Quando falhamos em esperar, em orações, pela direção e força de Deus, estamos dizendo com nossas ações, se é que já não o fazemos com nossos próprios lábios, que não precisamos dEle” [Charles E. Hummel, Tyranny of the Urgent (A Tirania do Urgente)]. Acredito que nossa inconsistência na prática das disciplinas espirituais não se deve primeiramente a falta de autodisciplina, mas à presença de auto-suficiência. Praticar as disciplinas espirituais é um meio de enfraquecer diariamente a auto-suficiência orgulhosa e de cultivar a humildade.'

[4].'Em quarto lugar, aproveite o tempo que você gasta no trajeto entre sua casa e o escritório da igreja para memorizar e meditar nas Escrituras. Quando William Wilberforce estava servindo na Câmara dos Comuns, ele usava sua caminhada de quinze minutos, de sua casa ao Parlamento, para recitar de memória todo o Salmo 119. Isto sim é um tempo bem gasto.'

[5].'Em quinto lugar, quando, durante o dia surgirem problemas pesados demais para você carregar, deposite-os diante do Senhor, que cuidará deles por você. Onde existe preocupações e ansiedade, há o orgulho da auto-confiança. O homem humilde, embora possa ser responsável por muitas coisas, é livre de preocupações — ele é tranquilo. Sua vida é caracterizada pela alegria e paz, pois é impossível estar preocupado quando se confia no Soberano.'

[6].'Sexto, quando o dia de trabalho acaba, ao invés de simplesmente ir para casa, aproveito a oportunidade para cultivar a humildade. Não importa o quão “bem-sucedido” ou “mal-sucedido” eu tenha sido naquele dia (em minha avaliação limitada), reconheço que Deus é o único que sempre completa perfeitamente sua lista diária de afazeres, e confio tudo aquilo que não pude concluir à sua guarda. Amanhã, eu voltarei e, por sua graça, tentarei de novo. Então, ao fim do dia, procuro transferir toda a glória para Deus. O puritano Thomas Watson escreveu: “Quando tivermos feito qualquer coisa digna de elogios, devemos nos esconder sob o manto da humildade e transferir a glória de tudo quanto fizemos a Deus” [Thomas Watson, A Body of Divinity]. Grato por este tão precioso conselho, uso alguns momentos à noite apenas para recapitular meu dia. Para cada evidência de frutificação ou progresso que testemunhei ou experimentei naquele dia, tento atribuir especificamente a Deus o fato inegável de que Ele é o único responsável.'

[Finalmente].'Finalmente, antes de ir dormir à noite, reconheço que dormir é um dom do Criador para suas criaturas. Eu não apenas vou dormir passivamente. Aproveito esta oportunidade diária para enfraquecer o orgulho e cultivar a humildade através do reconhecimento de que Ele não descansa e nem dorme. Dormir, para mim, é um lembrete diário do quão longe estou da auto-suficiência. Deixe-me colocar isto da seguinte forma: eu tenho uma necessidade desesperadora, irreversível e fisiológica de passar uma parte substancial de cada período de vinte e quatro horas em um estado de incapacidade física e mental, totalmente indefeso e completamente inútil. Isto não é cômico? Deus, então, usa este tempo para me fortalecer e me restaurar para o dia seguinte — um dia no qual, invariavelmente, falharei em obedecê-Lo inteiramente; ainda assim, Ele redimirá minhas ações para produzir uma certa quantidade de frutos. Como isto não poderia produzir um senso de humildade?'