“... Pois, se é preciso viver, é preciso também que nos sirvamos dos meios necessários para isso. E não podemos evitar aquelas coisas que parecem sujeitas mais ao prazer que à necessidade. Logo, é preciso que tenhamos uma medida, a fim de usar tais coisas com a consciência limpa, seja por necessidade, seja por prazer. A medida, no-la prescreve o Senhor com sua Palavra, quando ensina que a vida presente é uma espécie de peregrinação para os seus, por meio da qual se encaminham ao reino celestial. Se é preciso ao menos passarmos p ela terra, não há dúvida de que, enquanto isso, devemos usar seus bens, a fim de que mais ajudem do que retardem nosso percurso.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo X, parágrafo 1)
“... Ora, se pensarmos na finalidade para a qual Ele criou os alimentos, descobriremos que quis atender não somente a nossa necessidade mas a nosso deleite e satisfação. Da mesma forma as roupas, além da necessidade, atendem ao decoro e à honestidade. Nas ervas, árvores e frutas, além das várias utilidades, há a graciosidade da aparência e o prazer do perfume. Pois, se isso não fosse verdade, o profeta não incluiria, entre os benefícios de Deus, que ‘o vinho alegra o coração do homem’ e que ‘o azeite faz brilhar o rosto’ (Salmos 104:15).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo X, parágrafo 2)
“... Logo, a questão da justificação deve ser examinada agora mais atentamente, e examinada de tal forma que recordemos que ela é o ponto principal da nossa religião, para que tenhamos aqui maior atenção e cuidado.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 1)
“... Logo, dir-se-á de um homem que é justificado em razão de suas obras quando, em sua vida, encontrarem-se a pureza e a santidade que mereçam o testemunho de justiça diante do tribunal de Deus; ou antes, quando o homem, pela integridade de suas obras, possa responder e satisfazer ao julgamento do Senhor. Ao contrário, será justificado pela fé aquele que, excluído da justiça das obras, compreende a justiça de Cristo por meio da fé, e, vestido com ela, apresenta-se ante o olhar do Pai não como pecador, mas como justo. Assim, nossa interpretação é que a justificação é simplesmente a aceitação pela qual Deus nos recebe na graça e nos considera justos. E dizemos que ela consiste na remissão dos pecados e na imputação da justiça de Cristo.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 2)
“... Logo, justificar não quer dizer outra coisa senão absolver do castigo o que fora feito réu, como se sua inocência tivesse sido provada. Assim, uma vez que Deus nos justifica pela intercessão de Cristo, absolve-nos não propriamente porque nossa inocência foi provada, mas pela imputação da justiça; de forma que somos reputados justos em Cristo, mas em nós mesmos não o somos.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 3)
“... Paulo diz que Davi descreve a justiça sem obras com estas palavras: ‘Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são perdoadas’ (Romanos 4:7; Salmos 32:1)... mas inclui toda a justiça na remissão gratuita, declarando que é bem-aventurado o homem cujos pecados são cobertos, ao qual Deus perdoa as iniquidades e ao qual não imputa suas transgressões; por conseguinte, estima e avalia que a felicidade desse homem não está em que seja realmente justo, mas em que seja imputado como tal.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 11)
“... O apóstolo [Paulo] diz que considerou esterco [‘skubalon’, no grego] todas as coisas, a fim de ganhar Cristo e de ser encontrado unido a Ele, não tendo sua própria justiça, que vem da Lei, mas a justiça que vem de Deus, pela fé (Filipenses 3:7-9)... Ele mesmo o mostra quando diz que nosso orgulho fica excluído não pela Lei, mas pela fé (Romanos 3:27). De onde segue que, enquanto permanecer em nós um pouquinho de justiça das obras, permanece algum motivo de orgulho. Mas, se a fé exclui todo orgulho, a justiça das obras não se pode associar, de modo algum, com a justiça da fé. Nesse sentido, Paulo fala tão claramente, no quarto capítulo aos romanos, que não há lugar a dúvidas ou a tergiversações. ‘Se Abraão foi justificado pelas obras, ele tem de que se gloriar’. E acrescenta: ‘mas não diante de Deus’ (Romanos 4:2). Por conseguinte, Abraão não foi justificado pelas obras. Apresenta depois outro argumento pelo seu contrário: quando se paga o salário pelas obras, mas ocorre por dívida, não se faz por graça. A justiça da fé, contudo, é distribuída segundo a graça. Logo, não é pelo mérito das obras. É, pois, um sonho daqueles que imaginam a justiça feita de fé e de obras.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 13)
“Não obstante, a Escritura, quando fala da justiça da fé, nos conduz por um caminho muito diferente: que, tendo desviado o olhar de nossas obras, olhemos somente a misericórdia de Deus e a perfeição de Cristo. Com efeito, ensina ser esta a ordem da justificação: que, a princípio, Deus tem por bem, por mera e gratuita bondade, abraçar o pecador, não levando em conta nele coisa alguma pela qual se sinta movido à misericórdia para com ele, mas apenas sua miséria, já que o vê totalmente desnudo e vazio de boas obras, e de si mesmo tira a causa por que beneficiar o pecador.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 16)
“... Não deve parecer inusitada a expressão ‘Os fiéis são justos diante de Deus não por suas obras, mas por gratuita aceitação’, já que ela ocorre na Escritura em toda a parte e que até os doutores antigos falam assim às vezes. Assim, pois, Agostinho diz em algum lugar: ‘A justiça dos santos neste mundo consiste mais na remissão dos pecados que na perfeição das virtudes’ [Aug. De civ. Dei XIX 27 MSL 41, 657; CSEL 40 II, 421, 26s].”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 22)
“... Que significa colocar nossa justiça na obediência de Cristo senão afirmar que só por Ele somos considerados justos, porque pela obediência à justiça de Cristo é aceita por nós, como se fosse nossa? Por isso me pareceu que Ambrósio estabeleceu admiravelmente um paradigma dessa justiça na bênção de Jacó. Como ele não mereceu a primogenitura por si, mas ocultando-se sob o aspecto de seu irmão e vestido com as roupas dele, que exalavam um odor excelente, aproximou-se de seu pai para, sob o disfarce de outra pessoa, receber a bênção em proveito próprio; da mesma forma, é necessário nos escondermos sob a pureza preciosa de Cristo, nosso irmão primogênito, para conseguirmos testemunho de justiça perante os olhos de Deus. As palavras de Ambrósio são: ‘Que Isaac tenha sentido o odor das roupas talvez queira dizer que não somos justificados pelas obras, mas pela fé; uma vez que a fraqueza carnal é impedimento para as obras, mas a caridade da fé, que merece o perdão dos pecados, eclipsa o erro das obras’ [Ambrosius, De Iacob et vita beata II 2,9 CSEL 32 II, 37, 5ss]. E é exatamente assim. Pois, para comparecermos diante da face de Deus para nossa salvação, é preciso sentirmos o bom perfume que Ele exala, e nossos vícios serem cobertos e sepultados por sua perfeição.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 23)
(João Calvino, Livro 3, Capítulo X, parágrafo 1)
“... Ora, se pensarmos na finalidade para a qual Ele criou os alimentos, descobriremos que quis atender não somente a nossa necessidade mas a nosso deleite e satisfação. Da mesma forma as roupas, além da necessidade, atendem ao decoro e à honestidade. Nas ervas, árvores e frutas, além das várias utilidades, há a graciosidade da aparência e o prazer do perfume. Pois, se isso não fosse verdade, o profeta não incluiria, entre os benefícios de Deus, que ‘o vinho alegra o coração do homem’ e que ‘o azeite faz brilhar o rosto’ (Salmos 104:15).”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo X, parágrafo 2)
“... Logo, a questão da justificação deve ser examinada agora mais atentamente, e examinada de tal forma que recordemos que ela é o ponto principal da nossa religião, para que tenhamos aqui maior atenção e cuidado.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 1)
“... Logo, dir-se-á de um homem que é justificado em razão de suas obras quando, em sua vida, encontrarem-se a pureza e a santidade que mereçam o testemunho de justiça diante do tribunal de Deus; ou antes, quando o homem, pela integridade de suas obras, possa responder e satisfazer ao julgamento do Senhor. Ao contrário, será justificado pela fé aquele que, excluído da justiça das obras, compreende a justiça de Cristo por meio da fé, e, vestido com ela, apresenta-se ante o olhar do Pai não como pecador, mas como justo. Assim, nossa interpretação é que a justificação é simplesmente a aceitação pela qual Deus nos recebe na graça e nos considera justos. E dizemos que ela consiste na remissão dos pecados e na imputação da justiça de Cristo.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 2)
“... Logo, justificar não quer dizer outra coisa senão absolver do castigo o que fora feito réu, como se sua inocência tivesse sido provada. Assim, uma vez que Deus nos justifica pela intercessão de Cristo, absolve-nos não propriamente porque nossa inocência foi provada, mas pela imputação da justiça; de forma que somos reputados justos em Cristo, mas em nós mesmos não o somos.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 3)
“... Paulo diz que Davi descreve a justiça sem obras com estas palavras: ‘Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são perdoadas’ (Romanos 4:7; Salmos 32:1)... mas inclui toda a justiça na remissão gratuita, declarando que é bem-aventurado o homem cujos pecados são cobertos, ao qual Deus perdoa as iniquidades e ao qual não imputa suas transgressões; por conseguinte, estima e avalia que a felicidade desse homem não está em que seja realmente justo, mas em que seja imputado como tal.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 11)
“... O apóstolo [Paulo] diz que considerou esterco [‘skubalon’, no grego] todas as coisas, a fim de ganhar Cristo e de ser encontrado unido a Ele, não tendo sua própria justiça, que vem da Lei, mas a justiça que vem de Deus, pela fé (Filipenses 3:7-9)... Ele mesmo o mostra quando diz que nosso orgulho fica excluído não pela Lei, mas pela fé (Romanos 3:27). De onde segue que, enquanto permanecer em nós um pouquinho de justiça das obras, permanece algum motivo de orgulho. Mas, se a fé exclui todo orgulho, a justiça das obras não se pode associar, de modo algum, com a justiça da fé. Nesse sentido, Paulo fala tão claramente, no quarto capítulo aos romanos, que não há lugar a dúvidas ou a tergiversações. ‘Se Abraão foi justificado pelas obras, ele tem de que se gloriar’. E acrescenta: ‘mas não diante de Deus’ (Romanos 4:2). Por conseguinte, Abraão não foi justificado pelas obras. Apresenta depois outro argumento pelo seu contrário: quando se paga o salário pelas obras, mas ocorre por dívida, não se faz por graça. A justiça da fé, contudo, é distribuída segundo a graça. Logo, não é pelo mérito das obras. É, pois, um sonho daqueles que imaginam a justiça feita de fé e de obras.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 13)
“Não obstante, a Escritura, quando fala da justiça da fé, nos conduz por um caminho muito diferente: que, tendo desviado o olhar de nossas obras, olhemos somente a misericórdia de Deus e a perfeição de Cristo. Com efeito, ensina ser esta a ordem da justificação: que, a princípio, Deus tem por bem, por mera e gratuita bondade, abraçar o pecador, não levando em conta nele coisa alguma pela qual se sinta movido à misericórdia para com ele, mas apenas sua miséria, já que o vê totalmente desnudo e vazio de boas obras, e de si mesmo tira a causa por que beneficiar o pecador.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 16)
“... Não deve parecer inusitada a expressão ‘Os fiéis são justos diante de Deus não por suas obras, mas por gratuita aceitação’, já que ela ocorre na Escritura em toda a parte e que até os doutores antigos falam assim às vezes. Assim, pois, Agostinho diz em algum lugar: ‘A justiça dos santos neste mundo consiste mais na remissão dos pecados que na perfeição das virtudes’ [Aug. De civ. Dei XIX 27 MSL 41, 657; CSEL 40 II, 421, 26s].”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 22)
“... Que significa colocar nossa justiça na obediência de Cristo senão afirmar que só por Ele somos considerados justos, porque pela obediência à justiça de Cristo é aceita por nós, como se fosse nossa? Por isso me pareceu que Ambrósio estabeleceu admiravelmente um paradigma dessa justiça na bênção de Jacó. Como ele não mereceu a primogenitura por si, mas ocultando-se sob o aspecto de seu irmão e vestido com as roupas dele, que exalavam um odor excelente, aproximou-se de seu pai para, sob o disfarce de outra pessoa, receber a bênção em proveito próprio; da mesma forma, é necessário nos escondermos sob a pureza preciosa de Cristo, nosso irmão primogênito, para conseguirmos testemunho de justiça perante os olhos de Deus. As palavras de Ambrósio são: ‘Que Isaac tenha sentido o odor das roupas talvez queira dizer que não somos justificados pelas obras, mas pela fé; uma vez que a fraqueza carnal é impedimento para as obras, mas a caridade da fé, que merece o perdão dos pecados, eclipsa o erro das obras’ [Ambrosius, De Iacob et vita beata II 2,9 CSEL 32 II, 37, 5ss]. E é exatamente assim. Pois, para comparecermos diante da face de Deus para nossa salvação, é preciso sentirmos o bom perfume que Ele exala, e nossos vícios serem cobertos e sepultados por sua perfeição.”
(João Calvino, Livro 3, Capítulo XI, parágrafo 23)