“Também é por uma razão muito válida que Agostinho responde que jamais nesta carne renderemos a Deus o legítimo amor que a Ele devemos. O amor, diz, deriva de tal modo do conhecimento que não pode amar perfeitamente a Deus quem antes não tenha conhecida sua bondade em plenitude. Enquanto peregrinamos no mundo, enxergamos por um espelho e em enigmas: portanto, conclui-se ser imperfeito o nosso amor [Agostinho, Sobre o espírito e a letra].”
(João Calvino, Livro 2, Capítulo VII, parágrafo 5)
“... Donde se faz mais afetuosa a graça de Deus, que nos socorre sem o subsídio da Lei, e mais amável Sua misericórdia, que a ela nos confere, pela qual aprendemos que Ele jamais se fatiga de nos abençoar e cumular com novos bens.”
(João Calvino, Livro 2, Capítulo VII, parágrafo 7)
“... O apóstolo atesta como certo estarmos condenados pelo juízo da Lei, pelo qual toda boca se cala e o mundo inteiro se mostra sujeitado a Deus [Romanos 3:19]. Ensina ainda o apóstolo em outra passagem: que Deus encerra a todos sob a incredulidade, não para perder ou consentir que todos pereçam, mas para que tenha misericórdia de todos [Romanos 11:32], mas para que, abandonada uma insensata confiança em sua força, entendam ser mantidos e firmados unicamente pela mão de Deus, para que se refugiem, nus e vazios, à sua misericórdia, reclinando-se completamente nela, cravando-se nela arrependidos, tomando unicamente a ela pela justiça e pelos méritos, a qual é exposta em Cristo para todos aqueles que, por uma fé verdadeira, tanto a reclamam como esperam. E assim é que, nos preceitos da Lei, Deus é não só o remunerados da perfeita justiça, da qual somos todos destituídos, como também, em contrapartida, o juiz severo dos crimes. Mas, no Cristo, sua face plena de graça e de doçura reluz também diante dos miseráveis e indignos pecadores.”
(João Calvino, Livro 2, Capítulo VII, parágrafo 8)
“Agostinho muitas vezes trata do bom êxito para que se implore a graça do auxílio, como quando escreve a Hilário: ‘A Lei nos obriga a, empenhados em fazer as obrigações e fatigados em nossa fraqueza sob a Lei, aprender a reclamar o socorro da graça’ [Agostinho, Ep. 157, c.9, PL 33, 677]. Igualmente a Asélico: ‘A utilidade da Lei é que o homem se convença de sua fraqueza e seja compelido a implorar o remédio da graça, que está em Cristo’ [Agostinho, Ep. 196, c.2, PL 33, 893]. Também a Inocêncio Romano: ‘A lei obriga; a graça subministra as forças para a ação’ [Agostinho, Ep. 177, PL 33, 766]. E a Valentino: ‘Deus obriga aquilo que não podemos para aprendermos o que devemos pedir d’Ele’ [Agostinho, De gratia et libero arbitrio, C.16, PL 44, 900]. E ainda: ‘A lei vos foi dada para tornar-vos réus; tornados réus, temereis; tementes, pedireis a indulgência – não sereis presunçosos sobre vossas forças’ [Agostinho, Comentário ao salmo 70, PL 36, 889]. Igualmente: ‘A lei foi dada para que, do grande, se fizesse o pequeno; para demonstrar que não tiveste por ti forças para a justiça, e assim, indigente, indigno e carente, te refugiaste na graça’. Depois, dirige a palavra a Deus: ‘Faz assim, ó Senhor misericordioso: ordena o que não possa ser cumprido, ou melhor, ordena o que não possa ser cumprido senão pela tua graça, para que, quando os homens não forem capazes de cumpri-lo por suas forças, toda a boca seja calada e ninguém veja a si como grande. Que todos sejam pequenos, e que o mundo inteiro seja feito réu diante de Deus’ [Agostinho, Comentário ao salmo 118, PL 37, 1581].”
(João Calvino, Livro 2, Capítulo VII, parágrafo 9)
“... Assim, não penetrou em tal estado de sabedoria ninguém que não pudesse, pelo aprendizado cotidiano da Lei, fazer progresso no conhecimento mais puro da vontade divina. Depois, como não carecemos apenas de doutrina, mas também de exortação, o servo de Deus também toma esta utilidade desde a Lei: ser estimulado, pela meditação frequente dela, para a submissão, e com isso se fortalecer e retrair de cair em falta.
... Ora, aqui proclama o profeta com quanta utilidade o Senhor ilustrava com os ensinamentos da Lei àqueles aos quais inspirava interiormente com a prontidão da submissão, e não aponta apenas os preceitos, mas, pelas ações realizadas, a promessa anexa da graça, a única que faz o amargo tornar-se doce.”
(João Calvino, Livro 2, Capítulo VII, parágrafo 12)