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05 maio 2025

Livro: "Confissões" (Agostinho)

Alguns trechos iniciais do livro "Confissões", de Agostinho de Hipona:

'“Grande é o Senhor e digno de ser louvado; sua grandeza não tem limites; é impossível medir o seu entendimento” (Sl 145.3; 147.5). E tu queres que te louve o ser humano, mera partícula de tua criação; o homem que carrega consigo a mortalidade, o testemunho de seu pecado, o testemunho de que “Deus se opõe aos orgulhosos” (Tg 4.6; 1Pe 5.5). No entanto, o ser humano, mera partícula de tua criação, quer te louvar. Tu nos despertaste para o prazer de te louvar, pois nos criaste para ti, e o nosso coração não tem sossego enquanto não repousar em ti.' [Confissões I.1]

'E como invocarei meu Deus, meu Deus e Senhor, considerando que, quando o chamo, devo chamá-lo para mim mesmo? Que espaço há dentro de mim para que meu Deus possa entrar? Onde pode Deus entrar em mim, o Deus que criou o céu e a terra? Existe de fato, Senhor meu Deus, algo em mim que possa te conter? [...] Eu não poderia, portanto, ó meu Deus, absolutamente não poderia existir se tu não estivesses em mim. Ou melhor, se eu não estivesse em ti, a quem tudo pertence, para quem tudo existe e em quem tudo subsiste. É exatamente assim, Senhor, exatamente assim. Para onde irei te chamar, sendo que estou em ti? Ou de onde podes vir para entrar em mim? Pois aonde posso ir além do céu e da terra para que meu Deus possa entrar em mim, ele que disse: “Não sou eu aquele que enche os céus e a terra?” (Jr 23.24).' [Confissões I.2]

'Será que os céus e a terra te contêm, uma vez que tu os enches? Ou será que tu os enches e ainda extravasas, uma vez que eles não te contêm? E quando os céus e a terra estão cheios, onde é que derramas o que sobra de ti mesmo? Ou será que não tens nenhuma necessidade de que alguma coisa te contenha, tu que conténs todas as coisas, uma vez que, o que tu enches, o enches contendo-o? Pois os recipientes que enches não te limitam, uma vez que, mesmo que eles fossem quebrados, tu não serias derramado. E quando tu és derramado sobre nós, não és humilhado, mas nos elevas; tu não és dispersado, mas nos unificas. Mas tu que enches todas as coisas, é com teu Espírito que as enches? Ou, sendo que todas as coisas não conseguem te conter inteiramente, elas contêm parte de ti? E todas simultaneamente a mesma parte, ou cada uma sua própria parte, as maiores mais, as menores menos? E nesse caso uma parte de ti é maior, outra menor? Ou será que tu estás por inteiro em toda parte, embora nada te contenha totalmente?' [Confissões I.3] *{o que chama a atenção, neste trecho, é o grande número (9) de perguntas que Agostinho faz a Deus, de maneira racional, sincera e respeitosa}*

'Então que és tu, meu Deus? Que és, senão o Senhor Deus? “Pois quem é Deus além do SENHOR? E quem é rocha senão o nosso Deus?” (Sl 18.31). Altíssimo, boníssimo, poderosíssimo, onipotente ao extremo; misericordiosíssimo, mas extremamente justo; misteriosíssimo, mas sempre presente; belíssimo, mas extremamente forte; estável, mas incompreensível; imutável, mas mudando tudo; nunca novo, nunca velho; tudo renovando e envelhecendo os orgulhosos, que não se dão conta disso; sempre atuando, sempre em repouso; sempre acumulando, mas sem precisar de nada; sustentando, enchendo e sempre te espalhando; criando, nutrindo e amadurecendo; buscando, mas tendo tudo. Tu amas, mas sem paixão; és zeloso, sem ansiedade; arrependes-te, mas não te afliges; ficas irado, mas sereno; mudas tuas obras, mas teu propósito não muda; recebes de volta o que encontras, sem nunca tê-lo perdido; nunca estás necessitado, mas os lucros te alegram; jamais cobiças, mas cobras juros. Tu recebes mais que o devido, para que possas dever; e quem tem o que quer que seja que não seja teu? Tu pagas dívidas, sem nada dever; perdoas dívidas, sem nada perder. E o que acabei de dizer, meu Deus, minha vida, minha santa alegria? Ou que diz qualquer ser humano que fala de ti? Todavia, ai daquele que não fala, pois na verdade até os mais eloquentes são mudos.' [Confissões I.4] *{neste trecho, o que chama a atenção é o caráter profundamente devocional de como Agostinho se apresena a Deus}*

'Que eu possa descansar em ti! Que tu entres em meu coração e o inebries para que eu possa esquecer meus males e abraçar a ti, meu único bem! Que és tu para mim? Em tua compaixão, ensina-me a dizê-lo. [...] Ah, pelo amor de tua misericórdia, dize-me, ó Senhor meu Deus, o que és para mim. “Dize à minha alma: ‘Eu sou a tua salvação’” (Sl 35.3). Fala, então, para que eu possa ouvir. Eis, Senhor, meu coração voltado para ti; abre-lhe os ouvidos e dize à minha alma: “Eu sou a tua salvação”. Deixa-me seguir essas palavras e agarrar-me a ti. Não escondas tua face. Deixa-me morrer —; para que eu não morra — somente deixa-me ver tua face. [uma provavel alusão à experiência de Moisés com Deus, segundo o relato encontrado em Êxodo 33:17-23]' [Confissões I.5] *{aqui, neste trecho, o que chama a atenção é a confissão de Agostinho diante de Deus, fazendo jus ao nome do livro: "Confissões"}*