Trecho final do ensaio "Teologia é poesia?", de C.S. Lewis (CSL), com ênfases acrescentadas:
‘[...] A obviedade ou naturalidade que a maioria das pessoas parece encontrar na ideia do evolucionismo emergente parece ser uma alucinação pura.
Alguém pode ser forçado a pensar, a partir dessas bases e outras semelhantes, que de tudo o mais que possa ser verdade, a cosmologia científica popular não é. Abandonei aquele navio [1] não por causa do chamado da poesia [2], mas porque pensei que ele não pudesse se manter flutuando. Algo como o idealismo filosófico ou o teísmo deve ser, na pior das hipóteses, menos falso que isso. E o idealismo se mostrou um teísmo disfarçado, quando você o leva a sério. E uma vez tendo aceitado o teísmo, você não poderia ignorar as afirmações de Cristo. E depois que as examinei, me pareceu que não poderia assumir uma posição mediana. Ou ele era um lunático ou era Deus. E ele não era um lunático.
Aprendi na escola que, depois de fazer uma soma, deveria “testar a minha resposta”. A prova ou a verificação de minha resposta cristã à soma cósmica foi esta. Quando eu aceito a Teologia, posso encontrar dificuldades neste ponto ou naquele, ao harmonizá-la com algumas verdades particulares que estão implantadas na cosmologia mística derivada da ciência. Mas, eu posso compreender, ou admitir, a ciência como um todo. Se admito que a Razão [3] é anterior à matéria e que a luz daquela Razão primordial ilumina mentes finitas, posso compreender como as pessoas podem vir a saber, pela observação e inferência, muito do universo em que vivem. Se, por outro lado, eu aceito a cosmologia científica como um todo, então não apenas não serei capaz de acomodar o cristianismo, mas não poderei acomodar a própria ciência. Se as mentes são completamente dependentes do cérebro, se o cérebro depende da bioquímica, e a bioquímica (no longo prazo) depende do fluxo sem sentido dos átomos, não posso entender como o pensamento daquelas mentes deveria ter qualquer significância maior que o som do vento nas árvores. E esse é para mim o teste decisivo [4]. É assim que distingo o sonho e a vigília. Quando estou desperto posso, em certo grau, avaliar e estudar meu sonho. O dragão que me perseguiu na noite passada pode ser encaixado no meu mundo desperto. Sei que existem coisas como os sonhos; sei que comi um jantar difícil de digerir; sei que alguém que lê o que leio está sujeito a sonhar com dragões [5]. Mas, enquanto eu estava no pesadelo não podia inserir minha experiência de desperto. O mundo desperto é avaliado de modo mais real porque poderá conter, assim, o mundo dos sonhos; o mundo dos sonhos é avaliado como menos real porque não pode conter o mundo desperto. Pela mesma razão, estou certo de que ao passar dos pontos de vista da ciência para o teológico, passei do sonho para o despertamento. A Teologia cristã pode acomodar a ciência, a arte, a moralidade, e as religiões não-cristãs [6]. A perspectiva da ciência não é capaz de acomodar nenhuma dessas coisas, nem mesmo a própria ciência. Creio no cristianismo assim como creio que o Sol nasceu, não apenas porque o vejo, mas porque por meio dele eu vejo tudo mais.’
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*Notas:
[1]. Neste contexto, CSL parece estar se referindo à cosmologia científica típica da visão de mundo encontrada no materialismo/naturalismo. Em seus dias, um dos maiores divulgadores destas ideias era H.G. Wells, conforme o próprio autor cita, mais acima (“Perspectiva Científica”), no ensaio.
[2]. O autor está se referindo, neste contexto, à sua fé cristã, no tema central deste ensaio "Teologia é poesia?".
[3]. Por Razão, CSL está se referindo ao Deus Criador, Causa Primária, Verdade Absoluta, Verbo da Vida.
[4]. Neste ponto, CSL está se posicionando claramente contra o absurdo do reducionismo encontrado na visão de mundo materialista/naturalista. Para mais conteúdo sobre este assunto, favor acessar os seguintes links: link I, link II, link III, link IV, link V, link VI.
[5]. O autor parece estar se referindo ao tipo de leitura e de conteúdo que está no seu imaginário, lembrando que CSL é autor de "Crônicas de Nárnia", e também era amigo pessoal de J.R.R. Tolkien, autor de "O Senhor dos Anéis", por exemplo.
[6]. Parece que, neste contexto, o autor está racionalmente declarando que a cosmovisão cristã é capaz, até mesmo, de explicar a existência de outras religiões não-cristãs, por exemplo, por causa da tendência idólatra do seu humano, que é explicada claramente na verdadeira antropologia bíblica encontrada nas Escrituras.